terça-feira, 30 de novembro de 2010

Sistema Administrativo de tipo francês versus Sistema Administrativo Anglo-Saxónico


Antecedentes históricos:

Primeiramente, cumpre traçar uma linha histórica que antecedeu o surgimento dos sistemas administrativos em análise, uma vez que os modelos jurídicos de organização, funcionamento e controlo da Administração variaram ao longo das épocas que perpassaram.

Sumariamente, analisemos o designado Sistema Administrativo Tradicional que vigorou na Europa até aos séculos XVII e XVIII.

Este sistema era, então, caracterizado por:

1.Indeferenciação entre as funções administrativa e jurisdicional;
2.Não subordinação da Administração Pública ao principio da legalidade.

Consequências deste sistema de administração:

1.1- Inexistência de separação de poderes; o Rei era simultanemente o supremo administrador e o supremo juiz;

2.1- Sem Estado de Direito, as garantias dos particulares eram insuficientes, uma vez que a Administração Pública não estava vinculada à Lei, existindo apenas normas avulsas, que podiam, contudo, ser afastadas por critérios de conveniência administrativa ou de utilidade política.

As Revoluções Liberais, nomeadamente a Grande Revolução em Inglaterra (1688) e a Revolução Francesa (1789), provocaram uma profunda alteração nos sistemas administrativos europeus, uma vez que influenciaram fortemente os sistemas administrativos dos restantes países da Europa.

Consequências gerais das Revoluções Liberais:

Nascimento dos sistemas administrativos modernos, baseados na separação de poderes e no Estado de Direito, o que conferiu uma maior garantia dos cidadãos face à Administração Pública, que lhes permite invocar, perante esta, os seus direitos e interesses legítimos.


A implantação dos sistemas administrativos modernos seguiu caminhos distintos em Inglaterra e em França, daí o surgimento do designado Sistema Administrativo anglo-saxónico e do Sistema Administrativo de tipo francês.


Comecemos por caracterizar o Sistema administrativo de tipo anglo-saxónico.

Este sistema, com origem em Inglaterra, vigora na generalidade dos países anglo-saxónicos, nos EUA e influencia fortemente os países da América Latina, especialmente o Brasil.

1.Separação de Poderes: por força da lei de abolição da Star Chamber (1641), o Rei ficou impedido de resolver questões de natureza contenciosa; e foi proíbido de dar ordens aos juizes, transferi-los ou demiti-los (Act of Settlement, 1701)

2.Estado de Direito: os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos foram consagrados no Bill of Rights (1689), daqui decorrendo que todos os cidadãos ingleses estavam submetidos ao direito comum (common law).

3.Sujeição da Administração aos tribunais comuns: existência de um só sistema judicial para o Estado e Particulares, pelo que o controlo jurisdicional da actuação administrativa está submetida aos tribunais comuns, sendo que os litígios entre esta e os particulares eram resolvidos não em tribunais especiais (inexistentes) mas nos tribunais comuns.
Daqui decorre que toda a Administração Pública, orgãos e agentes estão subordinados ao direito comum (Rule of Law).

4.Execução judicial das decisões administrativas: a Administração não pode executar as decisões administrativas por autoridade própria; necessidade de recorrer aos tribunais comuns para as tornar exequíveis.

5.Garantias jurídicas dos Particulares: estes podiam reagir contra ilegalidades e abusos da administração pública, através dos Tribunais Comuns, que como vimos, gozam de plena jurisdição face à Admnistração.


Caracterização do Sistema administrativo de tipo francês:

Com origem em França, vigora em quase todos os países da Europa Ocidental, com variantes em Itália e na República Federal Alemã. Em Portugal, passou a vigorar a partir de 1832.

1.Separação de poderes: diferenciação entre o poder executivo e poder judicial: o poder executivo não podia imiscuir-se na competência dos tribunais assim como o poder judicial não podia interferir no funcionamento da Administração Pública.

2.Estado de Direito: confere aos cidadãos o direito de invocar direitos subjectivos públicos contra o Estado (art 16º DDHC)

3.Sujeição da Administração aos Tribunais Administrativos: Em 1799, são criados tribunais administrativos, destacando-se o Conseil d'État, incumbidos de fiscalizar a legalidade dos actos administrativos e julgar o contencioso no ambito dos contratos e responsabilidade civil.
Nota: Impropriamente designados como tribunais administrativos não o eram na realidade; tratavam-se de orgãos especiais da administração publica compostos por funcionarios públicos que desempenhavam estas funções, pelo que se punha em causa a imparcialidade destes “tribunais”.


4.Subordinação da administração ao direito administrativo: O Droit administratif, constituido por normas de direito público, que confere à administração pública poderes de autoridade, visto que se considera que a administração não está na mesma posição que os particulares, uma vez que prossegue o interesse publico. Dotada de especiais poderes de autoridade, dos quais se destaca o privilege de l'execution d'office, que se traduz na utilização de meios coactivos próprios, para executar as suas decisões, sem ter de recorrer aos tribunais.

5.Garantias juridicas dos Particulares: podiam reagir contra abusos e ilegalidades praticadas pela administração, através dos tribunais administrativos. Contudo, estes apenas podiam anular o acto, se este fosse ilegal, não podendo, consequentemente, condenar a administração à pratica de determinado acto e/ou conduta.
Nota: Daqui resulta que as garantias dos particulares são menores neste tipo de sistema administrativo em comparação com o sistema administrativo anglo-saxónico.


Chegados a este ponto, cumpre agora estabelecer as diferenças entre estes dois sistemas:

Quanto ao controlo jurisdicional da Administração, o sistema administrativo de tipo anglo-saxónico, entrega-o aos tribunais comuns; o sistema administrativo de tipo francês, aos tribunais administrativos. Assim, unidade de jurisdição no primeiro, e dualidade de jurisdições, no segundo.

Quanto ao direito regulador da Administração, no sistema de tipo britânico, é direito comum, basicamente direito privado; no sistema de tipo francês, é direito administrativo, que é direito público.

Quanto à execução das decisões administrativas, o sistema de tipo britânico fá-lo depender de sentença do tribunal; no sistema de administração francês dispensa-se a intervenção prévia de qualquer tribunal; a administração dispõe de autoridade própria.

Quanto às garantias dos particulares, a Inglaterra confere aos tribunais comuns amplos poderes de injunção face à Administração, que lhes fica subordinada tal como a generalidade dos cidadãos; em França, os tribunais administrativos só podem anular decisões ilegais ou condenar no pagamento de indemnizaçoes, ficando a Administração independente do poder judicial.


Evolução dos sistemas até à actualidade:

As mudanças ocorridas no século XX vieram determinar uma aproximação dos dois sistemas, relativamente a alguns aspectos :

Controlo jurisdiconal da Administação: mantêm-se, essencialmente, as diferenças acima referidas. Em Inglaterra, surgiram os designados administrative tribunals; em França, aumentaram os litígios entre os particulares e o Estado submetidos ao controlo dos tribunais judiciais. Contudo, os administrative tribunals não são em nada semelhantes aos tribunaux administratifs de França: tratam-se de orgãos administrativos independentes, que decidem questões de direito administrativo em matérias especificas, de cujas decisões cabe recurso para os tribunais comuns. Por outro lado, o aumento da intervenção dos tribunais judiciais nas relações entre a Administração e os Particulares em França, deve-se, sobretudo, ao facto de a administração ter passado a actuar em maior número sob a égide de direito privado.

Direito regulador da Administração: a passagem para o Estado Social de Direito, teve como consequência em Inglaterra, uma maior intervenção da administração pública em funções de prestação de serviços culturais, educativos, sanitários e assistencias, surgindo assim inúmeras leis administrativas (administrative law); a administração francesa teve de passar a actuar sob a égide do direito privado, nomeadamente através das empresas públicas, obrigadas, pelas funções que desempenham, a funcionar nos moldes do direito comercial, e através da prestação serviços públicos, muitas vezes submetidos ao direito civil.

Execução das decisões administrativas: as decisões dos administrative tribunals são imediatamente obrigatórias para os particulares e não carecem de confirmação ou homologação judical, o que resulta numa aproximaçao ao tipo francês; do lado francês, surge a possibilidade de suspensão da eficácia de decisões unilaterais da Administração Pública.

Garantias juridicas dos particulares: sendo maiores em Inglaterra, no sistema de tipo francês os tribunais ganham cada vez mais poderes declarativos face à Administração, nomeadamente a possibilidade de poderem condenar a administração a um comportamento devido.

Surgimento em ambos os países da mais moderna instituição de protecção dos particulares face à administração: em Inglaterra, o Parliamentary Commissioner for Administration, 1967; em França, o Médiateur, 1963. (Provedor de Justiça)


Em conclusão, houve uma aproximação dos dois sistemas essencialmente no direito regulador da administração, no regime de execuçao das decisões administrativas e no elenco de garantias juridicas dos particulares.

As grandes diferenças mantêm-se ao nível do controlo jurisdicional da administração: no sistema de tipo anglo-saxónico, controlo pelos tribunais comuns; no sistema de tipo francês, controlo pelos tribunais administrativos.
Ou seja, Unidade vs Dualidade de Jurisdições.


Nota final para mencionar a Reforma do Contencioso Administrativo, de 2002/2004, em Portugal, que, por influência do modelo alemão 1, veio aproximar o nosso país do direito administrativo de tipo britânico, em virtude do reforço dos poderes de controlo dos tribunais administrativos sobre a actuação da Administração Pública.



1
A reforma alemã de 1960, em que a lei de processo contencioso administrativo prevê não apenas a acção de anulação de actos ilegais e a acção declarativa da existência ou inexistência de situações juridicas mas também acções de condenação da Administração ao cumprimento de um dever.
O mesmo aconteceu em Portugal, a partir de 1 de Janeiro de 2004, com a entrada em vigor da Reforma de Contencioso Administrativo, fortemente influenciada pelo modelo alemão, que aumentando os poderes de controlo dos tribunais administrativos sobre a Administração Pública, teve como consequência o reforço das garantias jurídicas dos particulares perante a Administração Pública.
Teresa Tavares
Aluna n.º 17674

domingo, 28 de novembro de 2010

O Tribunal Administrativo Moçambicano

Breve Historial do Contencioso Administrativo Moçambicano

A menção de um “Tribunal Administrativo” aparece pela, primeira vez, na história da justiça administrativa de Moçambique, na Segunda Carta Orgânica das Colónias Portuguesas aprovada pelo Decreto de 1 de Dezembro de 1869, reformando a Administração Pública. Nessa altura chamava-se Conselho de Província.

No dia 4 de Outubro de 1926 criou-se um tribunal privativo de contencioso, denominado Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas.
Em 15 de Novembro de 1933, o Decreto-Lei n.º 23.229, conhecido como Reforma Administrativa Ultramarina (RAU), reconhece a existência de Tribunais Administrativos a par do Conselho Superior das Colónias. A Reforma Administrativa Ultramarina consagra o princípio da independência destes tribunais face ao Poder Executivo. No que se refere às competências, a Reforma Administrativa Ultramarina distribui-as pelas Secções do Contencioso Administrativo, Contencioso Fiscal e Aduaneiro, Contas e Consultas.

A Constituição de 25 de Junho de 1975, alterada em 13 de Agosto de 1978, não menciona formalmente a existência do Tribunal Administrativo ou de uma jurisdição administrativa. No entanto, o Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas, herdado da organização judiciária colonial, sempre existiu. Este foi extinto formalmente ao abrigo do artigo 44 da Lei 5/ 92, de 6 de Maio (“É extinto o Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas de Moçambique”), o que supõe que ele funcionava, pelo menos teoricamente.

A Constituição de 30 de Novembro de 1990, consagra a existência, na ordem jurídica moçambicana, do Tribunal Administrativo, atribuindo a este, como competências, em termos gerais, o controlo da legalidade dos actos administrativo e a fiscalização da legalidade das despesas públicas. Compete ainda ao Tribunal Administrativo o exercício da jurisdição fiscal e aduaneira, em instância única ou em segunda instância.

A lei fundamental de 16 de Novembro de 2004, no seu artigo 223 reafirma a existência do Tribunal Administrativo e suas competências no mapa jurídico moçambicano.

Atribuições e competências do Tribunal Administrativo O Tribunal Administrativo é o órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos, fiscais e aduaneiros, conforme o artigo 228 da Constituição da República. Como estabelece o artigo 230, da Constituição da República de 2004, conjugado com o artigo 4 da Lei n.º 25/2009, são competências do Tribunal Administrativo, as seguintes:
• julgar as acções que tenham por objecto litígios emergentes das relações jurídicas administrativas;
• julgar os recursos contenciosos interpostos das decisões dos órgãos do Estado, dos respectivos titulares e agentes;
• conhecer dos recursos interpostos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos, fiscais e aduaneiros;
• emitir o Relatório e o Parecer sobre a Conta Geral do Estado;
• fiscalizar, previamente, a legalidade e a cobertura orçamental dos actos e contratos sujeitos à jurisdição do Tribunal Administrativo;
• fiscalizar, sucessiva e concomitantemente os dinheiros públicos;
• fiscalizar a aplicação dos recursos financeiros obtidos no estrangeiro, nomeadamente através de empréstimos, subsídios, avales e donativos.
• o controlo da legalidade dos actos administrativos e da aplicação das normas regulamentares emitidas pela Administração Pública, que não sejam da competência dos tribunais fiscais e aduaneiros;
• a fiscalização da legalidade das despesas públicas e a respectiva efectivação da responsabilidade por infracção financeira;

Estrutura do Tribunal Administrativo

De acordo com o artigo 18 da Lei n.º 25/2009, o Tribunal Administrativo está estruturado em três Secções, a saber:
• Primeira Secção - Área do Contencioso Administrativo;
• Segunda Secção - Área do Contencioso Fiscal e Aduaneiro
• Terceira Secção - Área da fiscalização das receitas e despesas públicas.
A Terceira Secção compreende:
a primeira subsecção - área do visto;
a segunda subsecção - área da fiscalização das receitas e das despesas públicas.

Funcionamento do Tribunal Administrativo
Ao abrigo do artigo 25 da Lei n.º 25/2009, o Tribunal Administrativo funciona em plenário, por secções e por subsecções. O Tribunal Administrativo só pode funcionar em plenário com a presença de metade mais um dos juízes conselheiros em efectividade de funções.




Fonte:

Lei nº 25/2009 de 28 de Setembro

Lei nº 9/2001 de 7 de Julho

Tribunal Administrativo Moçambicano








Osvaldo Proto Américo Cassamo

sub.t 2, 15020

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Simulação de Julgamento

FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
SIMULAÇÃO DE JULGAMENTO


O Governo português celebrou um contato destinado a fornecer veículos blindados às forças policiais (vulgarmente designados como “A Tempo e Horas”, pela sua capacidade em reagir prontamente a todas as eventualidades), estabelecendo como data limite da sua entrega o dia 15 de Novembro de 2010, pois estes se destinavam a garantir a segurança interna para a cimeira da NATO, que reuniu em Lisboa, nos dias 19 e 20 de Dezembro. Os veículos blindados “A Tempo e Horas”, contudo, só chegaram a Portugal no dia 22 de Novembro de 2010, depois de ocorrida a referida cimeira da NATO.
Perante as notícias do “escândalo” nos meios de comunicação social, Francisco Esperto, residente em Lisboa, pretende obter do tribunal administrativo a anulação do referido contrato, alegando a falta de utilidade da compra em questão, por a cimeira já ter entretanto ocorrido. Também a empresa “Somos de Inteira Confiança” pretende reagir judicialmente, alegando que teria sido capaz de produzir atempadamente os veículos blindados e a melhor preço, caso o Governo não tivesse optado pelo recurso ao ajuste directo a uma outra empresa, em razão do carácter urgente da encomenda.

Quid iuris?

(N.B. Trata-se de uma hipótese meramente académica pelo que qualquer semelhança com factos e personagens da vida real é pura coincidência O presente texto constitui apenas uma hipótese de trabalho, destinado a delimitar as questões jurídicas objecto da simulação, podendo (devendo) os pormenores concretos do caso ser completados ou reconstruídos, na simulação de julgamento a realizar em cada uma das turmas).

Vasco Pereira da Silva

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Resolução de Casos - Impugnação de Actos

Com intuito de facilitar a exposição das controvérsias contenciosas quetemos vindo a abordar em sede de aulas de orientação, procedemos a uma abordagem mais pragmática, e expomos de seguida as soluçõespropostas para os primeiros dois casos práticos de impugnação de actosadministrativos.

Resolução caso prático I. Impugnação de actos administrativos
Alínea a)

Identificação das partes: Dr. Barata e a ministra da saúde.

Identificação do pedido: anulação do acto de nomeação do presidente autoridade reguladora de saúde.

A Causa de pedir: existência de “ilegalidades” acto de nomeação, entre as quais a falta de fundamentação.

Cumpre agora analisar a verificação da existência dos pressupostos processuais, elementos decuja verificação depende num determinado processo, o poder-dever do juiz de se pronunciar sobre o fundo da causa, isto é de apreciar o mérito do pedido formulado e de sobre ele proferir uma decisão, concedendo ou indeferindo a providência requerida.

- jurisdição e competência – encontra-se no âmbito dos tribunais administrativos, e na medida do respectivo poder jurisdicional.
- personalidade judiciária , susceptibilidade de ser parte no processo.
- capacidade judiciária – susceptibilidade de uma pessoa estar por si em juízo.
-patrocínio judiciário – regra geral no processo administrativo da obrigatoriedade de constituição de advogado para o uso de poderes processuais 11º 1 CPTA.

Na ausência de mais dados relevantes na hipótese, consideramos verificados os pressupostos supra referidos.

- legitimidade:
Passiva - discussão imputação do acto ao órgão (ministra saúde) ou à pessoa colectiva(ministério da saúde). Pelo artigo 10º2 CPTA caberia ao ministério da saúde.
Activa – tratando-se de uma acção administrativa especial o CPTA prevê norma específica paraa sua regulamentação:
55º 1 a) “ tem legitimidade para impugnar acto administrativo, quem alegue ser titular de uminteresse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Quanto ao interesse, verifica-se uma lesão que provoca dano.
Directo ou imediato, satisfaz imediatamente não sendo necessária mais nenhuma decisãojudicial. Este requisito prende-se com o princípio da Economia processual, sendo uma apreciação meramente objectiva.
Pessoal, repercute-se na esfera jurídica do autor. Tem como fundamento a segurança e protecção dos direitos alheios e a liberdade de estar em juízo. Parte de uma apreciação subjectiva.

Trata-se da questão de saber se esse interesse é actual se existe efectiva lesão que justifique autilização do meio impugnatório, e se com a remoção dessa lesão o particular virá removido o seu dano.

Num sistema de contencioso administrativo subjectivo o pressuposto é o reconhecimento deque os particulares são titulares de direitos subjectivos nas relações jurídicas administrativas,merecedores de tutela jurisdicional efectiva em caso de lesão, pelo que a função da legitimidade é,” a de fazer a ponte entre o direito subjectivo do particular e a sua posição no processo: parte legítima é todo o indivíduo que alega um direito lesado pela actuação administrativa ilegal. Saber se ele é ou não titular do direito é algo que pertence ao fundo da causa”.

A tónica na causação de danos às posições subjectivas dos particulares está presente no artigo268º 5 CRP, do qual se extrai que a legitimidade para a impugnação de normas é reportada à violação de direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, e portanto à sua posição subjectiva.

A legitimidade basta-se com a lesão de direitos e interesses legalmente protegidos, e não necessariamente com a existência de danos, tal como estes são vistos em matéria ressarcitória.
No caso sob análise, não há qualquer repercussão imediata no interessado, ou seja, interesse pessoal. Com a declaração de anulação o sujeito teria como único proveito uma satisfação de ordem moral, o que não justifica o recurso ao meio impugnatório. Não se descortina qualquer nexo entre o suposto vício de nomeação e o prejuízo sofrido pelo sujeito em causa.
A não verificação de algum pressuposto processual determina a existência de uma excepção dilatória, neste caso de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância nos termos artigos 87º 1 a), 89º1 d), 2º CTPA 493º 2, 494ºe), 288º 1 d) CPC ex vi 1º CPTA.
Alínea b)
A alegação de ilegitimidade passiva suscita a análise dos prazos como pressuposto processual e a natureza do acto homologatório.

Será a homologação um acto confirmativo? Se for terá de se analisar artigo 53º CPTA que
dispõe que a impugnação só pode ser rejeitada com fundamento no carácter meramente
confirmativo do acto impugnado quando a) o anterior tenha sido impugnado pelo autor,
b) tenha sido objecto de notificação do autor, c) tenha sido objecto de publicação, sem
que tivesse de ser notificado ao autor. A norma pretende assim evitar que tendo o sujeito
conhecimento do acto anterior, venha ainda impugnar o acto homologatório. Assim será
garantida a efectiva defesa dos direitos dos particulares tendo em conta o antecedente
histórico de impugnação apenas de actos administrativos definitivos e executórios.

Tendo apenas conhecimento do acto homologatório da ministra, como configura o
caso, pode o autor continuar a impugnar o segundo acto sendo aqui a questão do prazo
tratada em relação ao acto homologatório, a partir do qual se contará o prazo para a
impugnação do artigo. 58º 2 b) CPTA, que estabelece um prazo de três meses (a contar do
acto homologatório), sendo ainda por isso um acto impugnável.
Resolução caso prático II.
Identificação das partes: Ana e Directora da DREL

Identificação do pedido: impugnação do acto que declara a pena disciplinar

Identificação da causa de pedir: não existe informação na hipótese.

Cumpre agora analisar os pressupostos processuais, competência, personalidade judiciária,capacidade judiciária, e legitimidade activa e passiva. Na ausência de mais dados relevantes nahipótese, consideramos verificados os pressupostos referidos.

É contudo invocada a extemporaneidade do recurso. Cabe apreciar, será a pré-interposição derecurso hierárquico necessário verdadeiro pressuposto processual?

Segundo a opinião do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, não existe em caso algum como pressuposto, lugar à interposição do recurso hierárquico necessário. O artigo 59º CPTA, vem apenas confirmar o que o 268º CRP enuncia.

Por outro lado a doutrina apresenta uma posição divergente. Apesar de admitirem que o recurso hierárquico necessário já não é regra geral, admitem a sua existência a titulo meramente excepcional, baseando-se no facto de a constituição não abranger os pressupostos processuais. O recurso hierárquico necessário pode nestes casos ser entendido como pressuposto processual.
No caso em concreto, a existência de recurso é consagrada a título excepcional.

Desta forma, independentemente da posição doutrinária que tenhamos perfilhado quanto ao recurso hierárquico necessário, mesmo considerando o recurso como um verdadeiro pressuposto, na hipótese o sujeito activo não contesta o despacho que rejeitou o seu recurso. Podemos daqui extrair a aceitação como um efectivo pressuposto de eficácia, excluindo a possibilidade do particular interessado vir a impugnar judicialmente o acto aceite.


Joana Correia, aluna nº 17345
Sara Carvalho da Silva, aluna nº 17551

domingo, 21 de novembro de 2010

LEGITIMIDADE

O Contencioso Administrativo
Um processo em que administrado e administração actuam como partes ou como colaboradores.

Na lógica clássica, a legitimidade do indivíduo era determinada pela relação jurídica material com a Administração, pela posição que a administração ocupava, uma posição de poder em que os “administrados” não gozavam de direitos mas de meros interesses que manifestavam, basicamente, no modo de controlar a legalidade dos actos.
O particular encontrava-se ao serviço do processo administrativo e não o inverso, não era tratado como parte.
O contencioso administrativo tinha pois a função de garantia dos administrados nas relações jurídicas administrativas e era um meio de garantia da legalidade da administração.

O art. 12º do CPA, na sua expressão “fiscalização contenciosa dos actos administrativos” que praticamente significava que qualquer pessoa podia recorrer aos Tribunais Administrativos, pedindo a anulação dos actos da Administração que estivessem feridos de alguma ilegalidade e por isso ofendessem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, negando ao particular a qualidade de sujeito de direito nas relações administrativas.
Logo se antevê que quem podia recorrer eram os interessados, isto é aquelas pessoas (singulares ou colectivas) que tinham interesse, na anulação do acto do qual recorreram, na defesa dos seus direitos ou dos seus interesses (quase direitos) legalmente protegidos.
Quem tinha interesse na anulação do acto, tinha interesse em vir ao processo, interesse em agir, interesse que a doutrina designava e designa por interesse directo, pessoal e legítimo.
A pessoa que recorre tem de mostrar que a procedência do seu pedido de anulação do acto resulta para ele numa vantagem.
Ter um interesse directo significa que o acto de que se recorre, é causa imediata dos prejuízos que alega ter se o acto persistir.
Ter um interesse pessoal é alegar que a utilidade que lhe traz a anulação do acto é uma utilidade concreta para si próprio.

Ter um interesse legítimo, quando o mesmo é protegido pela ordem jurídica.

Por outro lado os interesses difusos – são uma diferente categoria de interesses legalmente protegidos, mas não dizem respeito tão directamente, tão concretamente em relação ao interessado.
Este interesse em relação ao interessado é mais esbatido, mais genérico, logo mais “difuso”, no sentido que dizem respeito a várias pessoas.

O art.º 9.º C.P.T.A., determina que a legitimidade decorre da alegação da posição de parte na relação material controvertida, consagra, a tutela de posições subjectivas. É a consagração da teoria unitária do direito subjectivo, reconhecendo uma posição individual de vantagem particularmente ampla do particular.

O Prof. Vasco Pereira da Silva defende que todas as posições substantivas de vantagem dos privados perante a Administração devem ser entendidas como direitos subjectivos. O “interesse pessoal e directo” corresponde ao direito subjectivo em sentido amplo, rejeitando a distinção tradicional tripartida que separa direitos subjectivos em sentido restrito, interesses legítimos e interesses difusos, ou os denominados direitos de 1ª, 2ª e 3ª categoria.

Quanto à norma do artigo 55º do C.P.T.A., que refere “interesses directos e pessoais” tal significa que gozam da acção para defesa de interesses próprios todos os indivíduos que demonstrem ser titulares de uma posição jurídica de vantagem, ou sejam parte na relação material controvertida. O carácter pessoal e legítimo do interesse é uma mera decorrência lógica do direito subjectivo que o particular faz valer no processo.
Interesse é pessoal, porque o particular alega ser titular de um direito que se encontra na sua esfera jurídica e que foi lesado por uma conduta ilegal da Administração, e é legítimo porque esse direito lhe foi conferido pelo ordenamento, através de uma norma atributiva de um direito, ou através da imposição, em seu benefício, de um dever à Administração.

O Prof. Mário Aroso de Almeida, afirma que “a legitimidade individual para impugnar actos administrativos não tem de basear-se na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido, mas basta a circunstância de o acto estar a provocar, no momento em que é impugnado, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor, de modo que a anulação ou a declaração de nulidade desse acto traz, pessoalmente a ele uma vantagem imediata”.

Deste modo, para um juízo positivo sobre a legitimidade activa, é suficiente que o autor da acção especial impugnatória alegue, de modo fundamentado, ser titular de interesse legítimo, directo e pessoal na impugnação de determinado acto administrativo, mormente por ter sido lesado por esse acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos [artigo 55º nº1 alínea a) CPTA], e que o autor da acção especial de condenação à prática de acto legalmente devido alegue, de um modo fundamentado, ser titular de direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão desse acto.

Por outro lado, o Prof. Vasco Pereira da Silva refere que o que está em causa no artigo 55º/1 a) do C.P.T.A., é o exercício do direito de acção por privados que, defendem os seus interesses próprios, mediante a alegação de uma “titularidade de posições subjectivas de vantagem” em face da Administração Pública.
A posição defendida pelo Prof. Mário Aroso de Almeida traduz uma concepção mais ampla de legitimidade activa processual, que é aferida pelo interesse directo e pessoal dos particulares, podendo consistir num direito subjectivo, num interesse legalmente protegido ou num potencial benefício na procedência da acção.Esta tese possibilitaria, em princípio, uma maior protecção dos particulares contra a actividade administrativa, contudo poderia por em causa o próprio fim da “acção popular”, ou seja, transformaria o contencioso dos particulares numa gigantesca acção popular.

A teoria subjectivista do Prof. Vasco Pereira da Silva conduz a uma legitimidade processual mais restrita, mais limitada, pois apenas a possuem aqueles que sejam titulares de posições subjectivas de vantagem em face da Administração, ou que sejam partes na relação material controvertida.


Na prática, é muito difícil para o Juiz determinar um critério legal suficientemente preciso, deste modo, ele terá de analisar casuisticamente cada situação controvertida de forma a determinar se está ou não em causa um interesse directo e pessoal.

No entanto parece, vem sendo entendido, que para um juízo positivo sobre a legitimidade activa, é suficiente que o autor da acção especial impugnatória alegue, de modo fundamentado, ser titular de interesse legítimo, directo e pessoal na impugnação de determinado acto administrativo, mormente por ter sido lesado por esse acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 55º nº1 alínea a) C.P.T.A.), e que o autor da acção especial de condenação à prática de acto legalmente devido alegue, de um modo fundamentado, ser titular de direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão desse acto.

O que não poderá deixar de ser dito é que para além da aferição da legitimidade resulta, cristalinamente evidente, que estamos perante um processo em que as partes têm a mesma importância, tendo iguais oportunidades de expor as suas razões e procurando convencer o Tribunal a compor o litígio a seu favor. E este é, sem dúvida, um dos grandes méritos do Novo Contencioso Administrativo.
Sílvia Boto - 17653 - Sub-Turma 2

Recurso hierarquico desnecessario necessario (Parte II)

recurso hierarquico desnecessario necessario-admissivel?

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

QUAIS AS VANTAGENS DE ADOPTAR UMA TEORIA UNIFICADA DE DIREITOS SUBJECTIVOS PÚBLICOS OU DE ADOPTAR ANTES UM ENTENDIMENTO TRIPARTIDO (DIREITOS SUBJECTIVOS, INTERESSES LEGÍTIMOS E INTERESSES DIFUSOS)?

No direito público, o dever jurídico que se traduz numa posição de vantagem atribuída pela norma jurídica, não confere automaticamente a qualificação como direito subjectivo do particular, uma vez que não corresponde, em regra, a uma pretensão jurídica de um sujeito determinado.
Os interesses legítimos e os interesses difusos que normalmente incidem sobre bens ou interesses públicos - por definição, inapropriáveis e indivisíveis - demonstram uma incompatibilidade processual e substantiva genérica quanto ao exercício de uma posição individual de vantagem.

A teoria da norma de protecção (Otto Bachof), alargada ao domínio dos direitos fundamentais, hoje universalmente aceite, traduz-se na adopção da teoria unitária do direito subjectivo do particular, sempre que a norma jurídica ultrapassando a satisfação do mero interesse público, vise igualmente a protecção de interesses particulares manifestados em posições de vantagem objectivamente concedida de forma intencional ou o mero benefício de facto mas resultante de um direito fundamental.

A doutrina da norma de protecção faz depender a qualificação de direito subjectivo público da satisfação de três requisitos cumulativos: a situação de vantagem objectivamente concedida pelo direito público ter carácter vinculativo; ser decretada a favor de pessoas determinadas para a satisfação de interesses individuais e não apenas no interesse da generalidade e; por efeito da sua atribuição, os interessados poderem recorrer para os tribunais, da conduta dos órgãos administrativos.
Assim, sempre que estivermos perante benefícios dependentes de um direito fundamental ou de normas que prevejam interesses legítimos ou difusos, preenchendo estes requisitos, estamos perante um direito subjectivo, havendo lugar à instauração de recurso contencioso.

A equiparação a direitos subjectivos daquelas categorias de interesses, permitirá a aproximação em aspectos tão fundamentais do direito administrativo, quanto a possibilidade de recurso contencioso e a consequente ressarcibilidade dos danos de natureza subjectiva quando estejam em causa tais interesses.

A tutela objectiva dos direitos subjectivos públicos (art.º 9.º CPTA), para além do interesse público (acção popular e acção jurídica: art.º 9.º/2), consagra no art.º 9.º/1 e 2, a tutela de posições subjectivas (acção juridico-subjectiva) não impondo aparentemente outros limites à legitimidade processual activa individual que não seja o interesse pessoal, enquanto parte, em relação material controvertida (e directo, expressamente, no caso da acção especial: art.º 55/1/a) CPTA): caso do n.º1. No n.º 2, independente de interesse pessoal, no ambito da legitimidade colectiva própria já mencionada, em protecção igualmente de interesses legítimos ou difusos, não vigoram outros limites.

Assim, o art.º 9.º CPTA acolhe a teoria unitária do direito subjectivo, reconhecendo uma posição individual de vantagem particularmente ampla do particular, no âmbito do contencioso administrativo.

Entre direitos subjectivos e interesses legítimos ou difusos, a diferença é de grau, não de substancia. A justiça administrativa tende a unificar aqueles direitos e interesses, com base na existência de normas igualmente imperativas, protectoras de direitos e interesses dos particulares e que permitem reacção jurisdicional. A diferença estará na amplitude do conteúdo. O interesse legítimo obriga ao reconhecimento da existência do direito e não ao seu conteúdo material. Esse decorre do direito subjectivo.
Vasco P. Silva defende que todas as posições substantivas de vantagem dos privados perante a Administração devem ser entendidas como direitos subjectivos. Situa a origem “difícil” dos interesses, no período da administração liberal e distingue o modelo português do modelo italiano de onde importámos o entendimento tripartido e designadamente os interesses difusos. Em Itália, a distinção levou a uma efectiva separação de jurisdições, enquanto que em Portugal a distinção foi sempre essencialmente uma questão instrumental e doutrinária.

A distinção é efectivamente de ordem formal e podemos qualificá-la como uma técnica jurídica proveniente da teoria geral do direito, uma vez que existem direitos subjectivos tanto nas relações juridico-públicas como nas relações inter-privadas.

Tendo presente a definição de Menezes Cordeiro de direito subjectivo como “permissão normativa de aproveitamento de um bem” ou a de Maurer como “poder único conferido pelo direito público aos indivíduos para a satisfação dos seus interesses, mediante a exigência de um determinado comportamento por parte do Estado”, encontramos em ambas o conceito-quadro no qual se inscrevem as diferentes posições substantivas de vantagem dos particulares face à Administração.

A ciência jurídica e o direito administrativo não são realidades estáticas, aliás conforme demonstra a evolução da justiça administrativa até à sua actual natureza jurídica subjectiva. Contudo, os “velhos traumas” exercem ainda uma função conformadora de muitas realidades presentes e futuras. Sem dúvida, tem havido um alargamento no campo dos direitos subjectivos, tanto pela extensão “estatutária” aos direitos fundamentais e sua incorporação natural na teoria da norma de protecção, quanto, pela via dos interesses legítimos - de segunda categoria - ou difusos - de terceira – guindados à categoria principal, fruto igualmente, da constitucionalização e europeização do direito administrativo.
Contudo este alargamento não é estanque nem definitivo. A tripartição que serviu para elevar interesses legítimos ou difusos, pode levar à restrição de direitos subjectivos e a um recuo perante uma Administração actual, já pouco prestadora e em desagregação, face a novas relações complexas e multilaterais, e designadamente no domínio da privatização de serviços e fuga para o direito privado.

A tripartição terá pois, uma utilidade dinâmica no âmbito do conceito-quadro do direito subjectivo do particular, mesmo que se prevejam apenas meras alterações e não uma mudança de paradigma para o futuro, no âmbito da Administração.

A tricotomia, elevada ao seu expoente máximo no contexto histórico muito próprio do direito administrativo italiano, trouxe desvantagens evidentes para os particulares.

A discricionariedade do operador jurídico na qualificação das posições jurídicas que Sandulli apontava como crítica ao sistema, ou então, a “contradição insolúvel” de Nigro, que defendia a inexistência de interesses legítimos, sempre que objectivamente, uma norma apenas se preocupasse com a realização do interesse público, resultando que, ou havia uma protecção directa e teríamos uma situação jurídica subjectiva ou, tratando-se de uma mera protecção ocasional, haveria um simples interesse de facto de que o particular se não poderia prevalecer, não sendo portanto sindicável o interesse legítimo ou difuso, são desvantagens claras para os particulares, resultantes do entendimento tripartido: direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos, que nos tempos actuais, devemos ter presente.

João Baptista n.º 15131 subturma 2

Acórdão STJ - Proc. 140/09 - Eficácia externa - art. 51º CPTA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo

Processo: 0140/09
Data do Acordão: 16-12-2009
Tribunal: 2 SUBSECÇÃO DO CA
Descritores: ACTO ADMINISTRATIVO
LEGITIMIDADE
ACTO LESIVO
Legislação Nacional: CPTA02 ART2 N1 ART51 N1; CONST97 ART268 N4;CPA91 ART120; DL 26/2004 DE 2004/08/24 ART34 ART106 N2 ART107 N1 N2 N3 ART123;
Jurisprudência Nacional: AC STAPLENO PROC44067 DE 2002/04/18.; AC STA PROC1575/03 DE 2004/01/14.
Referência a Doutrina: MARCELLO CAETANO MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO VI PAG428; FREITAS DO AMARAL DIREITO ADMINISTRATIVO VIII PAG76 PAG238; ROGÉRIO SOARES DIREITO ADMINISTRATIVO PAG76; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTROS CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO COMENTADO 2ED PAG550; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO ACTO ADMINISTRATIVO IMPUGNÁVEL IN ESTUDOS EM HOMENAGEM AO PROF DOUTOR MARCELLO CAETANO VII PAG266; VIEIRA DE ANDRADE SUMÁRIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO 2ANO PAG63; VIERA DE ANDRADE A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 3ED PAG242 PAG243 4ED PAG196.
MARCELO REBELO DE SOUSA REGIME DO ACTO ADMINISTRATIVO PAG38.
PEDRO GONÇALVES A JUSTICIBIALIDADE DOS LITÍGIOS ENTRE ÓRGÃOS DA MESMA PESSOA COLECTIVA PÚBLICA IN CJA N35 PAG16; VIEIRA DE ANDRADE IN RLJ ANO132 PAG316; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA O NOVO REGIME DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 2ED PAG135 PAG136; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E OUTRO CPTA ANOTADO 2ED PAG306 PAG311 PAG313.

SUMÁRIO

I - Hoje, face ao artº 51º, nº 1 do CPTA, a impugnabilidade do acto administrativo, depende apenas da sua externalidade, ou seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere.

II - Assim, torna-se irrelevante, para aferir da impugnabilidade do acto, que ele seja definitivo ou não, lesivo ou não, bem como a sua localização no procedimento (início, meio ou termo).

III - Assim, qualquer decisão administrativa pode ser hoje impugnável, questão é que o seu conteúdo projecte efeitos jurídicos para o exterior, i.e tenha eficácia externa.

IV - A impugnabilidade do acto embora indissociável da questão da legitimidade para o impugnar, não se confunde com ela, situando-se num plano anterior, de cariz objectivo e não subjectivo, sendo, por isso, no âmbito da legitimidade que hoje se deve colocar a questão da lesividade do acto, que, como referimos, já não constitui atributo da sua impugnabilidade.


TEXTO INTEGRAL

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I- RELATÓRIO

A…, com os sinais dos autos, veio interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do artº 150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido a fls. 574 e segs., que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto do despacho saneador do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que, por sua vez, julgara procedente a excepção de inimpugnabilidade do despacho da Senhora Ministra da Justiça, de 30 de Março de 2004, publicado no DR II Série, de 20.04.2004, que autorizou e homologou a abertura de concurso para atribuição de licenças de cartório notarial e, em consequência, absolvera a Ré e os contra-interessados da instância.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O presente recurso cumpre os requisitos previstos no artigo 150º do CPTA.

2. Se há matéria com verdadeira repercussão jurídica e social e que deve ter uma aplicação verdadeiramente aprimorada, essa matéria é que compensa os administrados pela proibição de autotutela, através da concessão de meios jurisdicionais adequados à salvaguarda dos direitos que se arrogam.

3. No presente caso, a recorrente alegou que o concurso cujo aviso se visou impugnar não correspondia a um acto administrativo de mera execução, mas a um acto administrativo de execução de um comando legislativo, este sim tido como portador de inconstitucionalidades e de ilegalidades.

4. Nesse circunstancialismo e considerando que: a) a CRP não atribui aos particulares legitimidade para, em abstracto, intentar acção de declaração de inconstitucionalidade de actos legislativos, natureza que este Supremo Tribunal reconheceu em acórdão de 07.06.2006, proferido no processo 1257/05-20; b) a lei portuguesa não prevê a figura do recurso de amparo constitucional; c) do ponto de vista do administrado, não é possível impugnar directamente um verdadeiro acto legislativo; a única forma de poder atacar o conteúdo do acto legislativo inconstitucional passa por impugnar os actos administrativos primários de execução daquele (actos distintos dos actos administrativos de mera execução de comando administrativo anterior, distinção que nem em 1ª, nem em 2ª instância foi feita!).

5. Ao decidir-se, como no aresto impugnado, praticou o acórdão do TCA Sul um acto de verdadeira denegação de justiça, com violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, pelo que se o recurso de revista é hoje uma “verdadeira válvula de segurança do sistema”, deve reconhecer-se que não existirá sistema de administração de justiça mais inseguro do que aquele que, num processo de entropia negativa, veda o acesso aos seus destinatários, razão pela qual a questão em causa cumpre o primeiro requisito do artº 150º do CPTA.

6. Por outro lado, havendo duas orientações divergentes nas decisões dos Tribunais Centrais Administrativos Norte e Sul sobre a questão da inimpugnabilidade do acto, justifica-se a admissão do recurso de revista com fundamento na sua relevância jurídico social e também para melhor aplicação do direito.

7. O acto impugnado, ao contrário do que se julgou no saneador-sentença, não tem como destinatários outros órgãos da administração pública e não esgotou os seus efeitos nas relações intra-subjectivas ou inter-orgânicas, tendo, pois, eficácia externa.

8. São impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.

9. Eficácia externa é a produção de efeitos na esfera jurídica de pessoas singulares, dos cidadãos (ou das pessoas colectivas de direito público ou privado).

10. O artº 51º, nº 1 do CPTA não impõe uma lesão efectiva, admitindo para a impugnação judicial, a susceptibilidade, a possível lesão, a aptidão dos actos para lesarem esses direitos ou interesses.

11. São impugnáveis esses referidos actos mesmo que inseridos num procedimento administrativo em decurso, isto é, quando ainda não haja acto definitivo horizontalmente, ou quando ainda não haja resolução final do procedimento administrativo, da relação jurídica estabelecida entre os cidadãos e a administração.

12. Nos presentes autos, impugna-se um acto de abertura de concurso, inserido num procedimento cujo fim- ou seja, a atribuição de licenças de instalação de cartório notarial- será necessariamente lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos da recorrente, nos termos descritos na p.i..

13. Ao julgar-se não lesivo, logo inimpugnável, o acto impugnado pela recorrente, violou-se no acórdão recorrido o disposto nos artº 2º, nº 1, 51º, nº 1 do CPTA e no artº 268º, nº 4 da CRP, respectivamente.

14. Termos em que, com o douto suprimento, deve ser revogado o acórdão recorrido, declarando-se o acto impugnado verdadeiramente impugnável e ordenar-se o prosseguimento dos autos para as fases ulteriores do processo, nos termos legais.

*
Contra-alegou o Ministério da Justiça CONCLUINDO assim:

1) O presente recurso excepcional de revista não cumpre os requisitos previstos no artº 150º do CPTA.

2) Encontram-se reunidos os pressupostos do recurso de uniformização de jurisprudência consignado no artº 152º do CPTA, pelo que atenta a natureza excepcional do recurso de revista, não pode o presente recurso ser admitido.

3) Mas mesmo que assim se não entenda, o princípio da tutela jurisdicional efectiva não consubstancia, no caso concreto, “a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.”

4) A questão que se pretende ver associada não se encontra associada a interesses especialmente importantes da comunidade, a matérias particularmente complexas ou a situações de erro manifesto ou grosseiro na decisão do aresto recorrido.

5) A densificação dos pressupostos vertidos no nº 1 do artº 150º do CPTA que tem sido feita pela jurisprudência afasta a admissibilidade do presente recurso.

6) O acto impugnado – despacho da Ministra da Justiça que autorizou e homologou a abertura do concurso para atribuição de licenças de instalação de cartório notarial, proferido em 30 de Março de 2004 e tornado público pelo Aviso nº 4994/2004, DR II Série, de 20 de Abril de 2004 – não reveste as características de impugnabilidade enunciadas no artº 51º do CPTA.

7) O acto impugnado resume-se a ser um acto de execução de normas do regime transitório do Estatuto do Notariado, normas estas que assumem a natureza de actos legislativos.

8) O acto impugnado inscreve-se num procedimento administrativo complexo, formado por diversas fases.

9) O processo de atribuição de licenças e transformação do notariado pressupõe a tomada de uma série de actos, de diferente natureza, que culmina na atribuição de licença de instalação de cartório notarial.

10) Até que tal se verifique não se pode, nem se deve, falar de qualquer situação consolidada do ponto de vista jurídico e não só.

11) O acto impugnado deve ser perspectivado como acto interno, enquadrando-se no âmbito das relações inter-orgânicas, pelo que, consequentemente, apenas indirectamente se poderá reflectir no ordenamento jurídico geral.

12) O acto impugnado, como mero acto de trâmite, preparatório e instrumental que é, limita-se a autorizar e a homologar a abertura do concurso, não sendo legítimo fazer-se do mesmo qualquer outra leitura de cariz mais abrangente.

13) O despacho ministerial impugnado é, sem aporias, um acto inimpugnável.
14) O sentido da decisão do acórdão recorrido apresenta-se como compaginável com as asserções jurídicas habituais nesta matéria e não coonestadas com erro flagrante ou palmar, tendo sido dado efectivo cumprimento à moldura legal aplicável, designadamente ao consignado no artº 51º do CPTA.

15) De igual modo, não se regista qualquer violação ao estatuído no nº 4 do artº 268º da CRP.

*
Por acórdão proferido a fls. 640 e segs., foi a revista liminarmente admitida, nos termos do nº 5 do artº 150º do CPTA.

Foi cumprido o artº 146º, nº 1 do CPTA, nada tendo dito o MP.
Após vista aos Ex.mos Adjuntos, vêm agora os autos à conferência, para decisão.
*

II- OS FACTOS

O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

1- A Recorrente exerce a profissão de Notária no Cartório Notarial de Nisa, sendo funcionária dos serviços externos da Direcção Geral dos Registos e Notariado, serviço do Estado integrado no Ministério da Justiça.

2- No DR, II Série nº 93, de 20 de Abril de 2004, foi publicado o Aviso nº 4994/2004, onde foi autorizada e homologada a abertura de concurso para a atribuição de licenças de instalação de cartório notarial.

3- A ora Recorrente candidatou-se à atribuição de licença de instalação do Cartório Notarial de Nisa e do seu requerimento consta a declaração de reserva feita nos termos do artº 56º, nº 1 e 2 do CPTA.

*
III- O DIREITO

1. A questão jurídica objecto da presente revista é a de saber se o acórdão recorrido, ao julgar verificada a excepção de inimpugnabilidade do despacho da Senhora Ministra da Justiça de 30.03.2004, que autorizou e homologou a abertura do concurso para a atribuição de licenças de instalação de cartório notarial, despacho cuja nulidade foi peticionada na presente acção, violou os artº 2º, nº 1 e 51º, nº 1 do CPTA e o artº 268º, nº 4 da CRP, como pretende a recorrente (cf. conclusões 7ª a 14ª das alegações de recurso, supra transcritas).

O acórdão recorrido alicerçou a sua decisão nos seguintes fundamentos:
«… o acto em crise que autorizou e homologou a abertura do concurso porque se insere num acto complexo de formação sucessiva, inscreve-se no domínio das “decisões administrativas preliminares”, assumindo a natureza de um acto interno de autorização, integrativo da validade do acto de abertura do concurso.

Como tal, é um acto interno que não contém em si lesividade autónoma para os particulares, porquanto o seu destinatário é o órgão beneficiário da autorização e homologação, enquanto condição necessária à abertura do concurso.

Não tendo, pois, o acto em questão efeitos externos imediatos necessariamente é desprovido de lesividade actual, no âmbito da causa de pedir, para os direitos e interesses que a ora Recorrente veio defender.

Com efeito, como ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha in Comentário ao CPTA, Almedina, 2005, págs. 258 e segs. “são externos os actos que produzem efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e os particulares ou que afectam a situação jurídico-administrativa de uma coisa. Ao que, hoje, se devem acrescentar os actos que se inscrevem no âmbito de relações entre entidades públicas. Por contraposição, actos internos são aqueles que se inscrevem no âmbito das relações inter-orgânicas ou das relações de hierarquia e que apenas indirectamente se poderão reflectir no ordenamento jurídico geral”.

Mais adiantam os referidos Autores in ob cit. Pág. 261 que “A susceptibilidade de afectar direitos ou interesses legalmente protegidos (segmento final do nº 1) constitui um mero critério da impugnabilidade do acto – definido em função da garantia constitucional estabelecida no nº 4 do artº 268º da CRP e não um requisito absoluto do conceito. Com efeito, a virtualidade de o acto lesar um concreto interesse individual é sobretudo uma condição de legitimidade activa, que opera apenas em relação às acções impugnatórias de função subjectiva – artº 55º, nº 1 a) e d).”

Do que ficou exposto resulta que o acto impugnado não regula a situação da aqui Recorrente perante a Administração, seja individualmente seja enquanto elemento da categoria profissional dos Notários. O seu destinatário, como se referiu supra, é o órgão beneficiário da autorização e da homologação e a sua eficácia esgota-se (porque a sua finalidade é alcançada) com a concessão da autorização, enquanto condição necessária da abertura do concurso.

E, a existir alguma lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos da ora Recorrente, ele só pode advir do acto final ou de um acto destacável no procedimento do concurso, legitimado ou não pelo Estatuto do Notariado.
Resta, pois concluir pela ocorrência da excepção da inimpugnabilidade do acto em crise, tal como foi decidido no despacho saneador a quo.»

2. Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido não fez, a nosso ver, uma correcta interpretação e aplicação do artº 51º, nº 1 do CPTA.
Dispõe este preceito legal que «Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.»
Este é hoje o conceito-regra de acto administrativo para efeitos processuais ou impugnatórios.

Mas analisemos mais detalhadamente o supra transcrito preceito legal.
Antes de mais, pressuposto da impugnabilidade face ao mesmo é que se esteja perante um acto administrativo.

O conceito de acto administrativo encontra-se definido no artº 120º do CPA, que dispõe que «Para os efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta».

Porém, esta definição reconduz-se, no essencial, aos elementos tradicionalmente apontados pela doutrina e pela jurisprudência como caracterizadores do acto administrativo, não só do ponto de vista procedimental ou material, mas também contencioso.

Com efeito, o conceito de acto administrativo tradicionalmente acolhido para efeitos contenciosos, considera-o como uma decisão autoritária e unilateral de um órgão da Administração, ao abrigo de normas de direito público, que visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, e, portanto, não diverge substancialmente da definição contida no artº 120º do CPA Cf. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, I, pg. 428, Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, pg. 66; Rogério Soares, Direito Administrativo, Coimbra, 1978, pg. 76; e Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª edição, pg. 550 e por todos, o ac. Pleno da 1ª Secção de 18.04.02, rec.44067.

Contudo, ao definir o acto administrativo apenas para os efeitos do CPA,o legislador parece ter aberto a possibilidade de ser adoptada outra definição para efeitos contenciosos. Neste sentido se pronunciaram Mário Esteves de Oliveira e outros, ob. Cit, p.

O que, de facto, veio a acontecer com o já citado artº 51º, nº 1 do CPTA, como se verá adiante.

Mas voltando ao artº 120º do CPA, verificamos que o conceito material de acto administrativo, se circunscreve aos actos de conteúdo decisório.Cf. Prof. Mário Aroso de Almeida, Considerações em Torno do Acto Administrativo Impugnável, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, Vol. II, p. 266 e segs.. Também no sentido de que o conceito de eficácia externa não é atributo do acto administrativo, vide o Prof. Vieira de Andrade, Sumários de Direito Administrativo, Ano Lectivo 2005-2006, 2º Ano, Coimbra, p.63, e in A Justiça Administrativa, 4ª ed., p. 196, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, Regime do Acto Administrativo, p.38, Pedro Gonçalves, “A justiciabilidade dos litígios entre órgãos da mesma pessoa colectiva pública”, in CJA, nº 35, p 16.

Ficam assim de fora desse conceito, a generalidade dos actos preparatórios do procedimento administrativo, também chamados actos de trâmite ou instrumentais (propostas, pareceres não vinculativos, informações, etc).

Ora, se bem que o acto aqui impugnado, que autoriza e homologa a abertura de concurso para atribuição de licenças para instalação de cartórios notariais, seja, por natureza, um acto preparatório, na medida em que visa dar início a um procedimento concursal que termina com a decisão principal - a atribuição das referidas licenças,tal acto não deixa de ter conteúdo decisório,constituindo, assim, uma decisão preliminar relativamente à decisão final do concurso que autoriza.

Aliás, como já vinha sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, o acto de abertura de concurso se bem que seja «… em si um acto preparatório, na medida em que visa pôr em marcha uma série de actos que termina com uma decisão, … raramente é um puro acto de trâmite, na medida em que a abertura de concurso está associada ou integra a produção de outros efeitos jurídicos, para além desse de iniciação procedimental» Cf. Prof. Vieira de Andrade, RLJ Ano 132º, p. 316 e ac. STA

De resto, o acórdão recorrido não nega, e antes afirma, o conteúdo decisório do acto impugnado.

No entanto, afasta a sua impugnabilidade, por entender, em síntese, que o acto impugnado é um mero acto interno,já que a sua eficácia se esgota com a concessão da autorização ao órgão beneficiário da autorização, não regulando, assim, a situação jurídica do autor perante a administração, carecendo, por isso, de lesividade actual, pois a existir qualquer lesão ela só poderia advir da decisão final do procedimento concursal ou de qualquer acto destacável do procedimento.

Ora, como se verá de seguida, o acto aqui impugnado, não obstante a sua natureza de decisão preliminar e preparatória de um procedimento concursal, é, por si só, produtor de efeitos externos, e, por isso, é contenciosamente impugnável.

3. O conceito de acto administrativo para efeitos processuais foi sendo elaborado pela doutrina e pela jurisprudência, a partir do artº 25º da LPTA.
Inicialmente considerava-se como tal o acto administrativo definitivo e executório, exigindo-se para o efeito uma tripla definitividade (material, horizontal e vertical) Cf. a este propósito, o Prof. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, 1989, vol. III, p. 238. .

Com a revisão constitucional de 1989, o citado preceito legal passou a ser interpretado à luz do nº 4 do artº 268º da CRP, o que implicou que a discussão sobre a impugnabilidade dos actos administrativos se deslocasse da definitividade para a lesividade do acto administrativo, uma vez que aquele preceito constitucional garantia agora a impugnação contenciosa de actos administrativos efectivamente lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados (lesividade actual). Cf. a este propósito, o citado ac. do Pleno de 18.04.2002, rec. 44067 e ac. STA de 14.01.2004, rec. 1575/03

A partir da entrada em vigor do CPTA, o conceito de acto administrativo para efeitos contenciosos foi consagrado, como vimos, expressamente, no artº 51º, nº 1 do CPTA, verificando-se que, não só a definitividade, mas também a lesividade do acto deixou de constituir atributo da sua impugnabilidade, como, de resto, se fez constar da Proposta de Lei 92/VIII, que contém a Exposição de Motivos do CPTA, onde se refere que «…procurou definir-se o acto administrativo impugnável tendo presente que ele pode não ser lesivo de direitos ou interesses individuais, mas sem deixar, de harmonia com o texto constitucional, de sublinhar o especial relevo que a impugnação de actos administrativos assume nesse caso. Por outro lado, deixa de se prever a definitividade como um requisito geral da impugnabilidade, não se exigindo que o acto tenha sido praticado no termo de uma sequência procedimental, ou no exercício de uma competência exclusiva para poder ser impugnado» (cf. seu ponto 2, nº 10).

E, na verdade, como decorre do já citado artº 51º, nº 1 do CPTA e é entendimento da doutrina dominante, hoje, a impugnabilidade do acto administrativo, depende apenas da sua externalidade, ou seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere Cf. neste sentido o Prof. Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª Ed., p.135/136, de novo Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilhe, CPTA comentado, 2ª ed., notas 1, 2 e 3 ao artº51º do CPTA, p. 306 a 313 e Prof. Vieira de Andrade, A nova Justiça Administrativa, , desse modo, podendo afectar a ordem jurídica exterior, em especial no âmbito das relações entre a administração e os particulares (lesividade potencial).

Com efeito, como salienta o Prof. Mário de Aroso de Almeida, «a referência que, no artº 51º, nº 1, é feita à eficácia externa tem apenas que ver com a natureza (interna ou externa) dos efeitos que o acto se destina a produzir e não com a questão de saber se, no momento em que é impugnado, o acto está efectivamente a produzir os efeitos a que se dirige. Sobre esse outro aspecto, diferente do primeiro rege o artº 54º, que, aliás, admite a impugnação de actos que ainda não tenham começado a produzir efeitos jurídicos»

Ora, se o que releva hoje, para efeitos impugnatórios, é apenas a eficácia externa do acto, nos termos sumários atrás referidos, então, e contrariamente ao decidido, torna-se irrelevante, para aferir da impugnabilidade do acto aqui sub judicio, que ele seja definitivo ou não,lesivo ou não,bem como a sua localização no procedimento (início, meio ou termo).

Assim, qualquer decisão administrativa pode ser hoje impugnável, questão é que o seu conteúdo projecte efeitos jurídicos para o exterior,i.e tenha eficácia externa.
A impugnabilidade do acto, embora indissociável da questão da legitimidade para o impugnar, não se confunde com ela, situando-se num plano anterior, de cariz objectivo e não subjectivo, sendo, por isso, no âmbito da legitimidade que hoje se deve hoje colocar a questão da lesividade do acto, que, como referimos, já não constitui atributo da sua impugnabilidade Cf. neste sentido, Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo …, p. 135, e o mesmo autor e Fernando Cadilhe, CPTA, anotado, p. 311 e ainda Prof.. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 3ª ed., Coimbra 2000, p.242/3 .

O que, de resto, está de acordo com o princípio da tutela judicial efectiva, consagrado no artº 2º do CPTA e no artº 268º, nº 4 da CRP.

4. E, também, contrariamente ao sustentado no acórdão recorrido, o acto impugnado não esgotou a sua eficácia no interior da administração, como o demonstra a autora nas suas alegações e decorre das particularidades do contexto legal em que o mesmo se insere.

O acto impugnado foi praticado ao abrigo do Decreto-Lei nº 26/2004, de 24.08, diploma que aprovou o Novo Estatuto do Notariado.

Como decorre do respectivo preâmbulo, o referido diploma insere-se «no âmbito do plano de reformas estruturais da Administração Pública do XV Governo Constitucional» e através dele foi operada «a privatização do notariado», «passando do regime da função pública para o regime de profissão liberal».

Refere-se mais adiante que, «Tratando-se de uma reforma de grande complexidade e inovação, geradora de naturais perturbações no meio notarial, impõe-se que a mesma se concretize de modo progressivo, pelo que se estabeleceu um período transitório de dois anos, durante o qual coexistirão notários públicos e privados, na dupla condição de oficial público e profissional liberal, no termo do qual só este último sistema vigorará. Durante este período transitório, os notários terão de optar pelo modelo privado ou, em alternativa, manter o vínculo à função pública, sendo, neste caso, integrados em conservatórias dos registos.»

6. Dispõe, por sua vez, o artº 106º, nº 2 do citado Dec. Lei, que «Durante o período de transição deve proceder-se ao processo de transformação dos actuais cartórios, à abertura de concursos para atribuição de licenças, à resolução das situações funcionais dos notários e dos oficiais que deixem de exercer funções no notariado e demais operações jurídicas e materiais necessárias à transição.» (negrito nosso)
Nos termos do artº 34º do referido diploma legal:

1. As licenças para instalação de cartório notarial são postas a concurso consoante as vagas existentes.

2. O concurso é aberto por aviso do Ministério da Justiça, publicado no Diário da República, ouvida a Ordem dos Notários.

3. As vagas são preenchidas de acordo com a graduação dos candidatos e as referências de localização dos cartórios manifestadas no respectivo pedido de licença.

4. Os notários que integrem a bolsa de notários gozam de bonificações específicas na graduação, de acordo com o número e a duração das substituições efectuadas, nos termos a definir pela Ordem dos Notários»

Dispõe, por sua vez, o artº 107º do mesmo diploma, sob a epígrafe «Regime»:

1- É reconhecida aos actuais notários a possibilidade de optarem por uma das seguintes situações:

a) Transição para o novo regime do notariado.
b) Integração em serviço da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado.

2- A opção referida na alínea a) do número anterior é feita mediante requerimento de admissão ao concurso para a atribuição de licença dirigido ao Ministro da Justiça e entregue na Direcção Geral dos Registos e do Notariado, no prazo de 30 dias a contar da abertura do concurso previsto no artº 123º deste diploma.

3- Da ausência de entrega do requerimento presume-se, pós o decurso do período referido no número anterior, que o notário faz a opção referida na alínea b) do nº 1.

4- É reconhecido aos notários que optarem pelo novo regime de notariado previsto na alínea a) do nº 1, o benefício de uma licença sem vencimento com a duração máxima de cinco anos contados da data de início de funções.

5- O notário beneficiário da licença prevista no número anterior pode requerer a todo o tempo o regresso ao serviço na Direcção-Geral dos Registos e do Notariado para lugar do quadro paralelo criado nos termos do nº 1 do artigo 109º deste diploma.
6- O notário que, ao abrigo do número precedente, requeira o regresso ao serviço fica inibido de novamente se habilitar a concurso para atribuição de licença de instalação de cartório notarial.

O artº 123º a que se alude no nº 2 do artº 107º respeita ao «Primeiro Concurso», dispondo o seguinte:

1. É reconhecido o direito de se apresentarem ao primeiro concurso para atribuição de licença de instalação de cartório notarial aos notários, aos conservadores dos registos, aos adjuntos de conservador e de notário e aos auditores dos registos e do notariado.

2. O concurso é documental e, na graduação dos concorrentes, deve ter-se em conta a classificação de serviço, a antiguidade no notariado, o currículo do interessado e, no caso dos auditores, a classificação obtida no procedimento de ingresso.
3. A graduação é numérica e deve resultar da ponderação atribuída aos critérios referidos no número anterior.

4. O notário que concorra ao lugar de que é titular à data da abertura do concurso goza de preferência absoluta na atribuição da respectiva licença.

A abertura do concurso para atribuição das licenças a que alude o nº 2 do citado artº 106º, foi autorizada pelo acto aqui impugnado, nos termos dos artº 34º e 123º do citado DL 26/2004, conforme Aviso nº 4994/2004 do Ministério da Justiça, publicado no DR II Série, de 20.04.

7. Ora, atento o contexto legal atrás referido em que o acto foi praticado, assiste razão à autora quando diz que o mesmo é, desde logo, susceptível de produzir efeitos jurídicos no âmbito das relações da administração com os notários visados pelo citado DL, e, portanto, independentemente da decisão final do concurso em causa.
Basta ver que, com a publicação do aviso de abertura do concurso autorizado pelo acto impugnado, se abriu o prazo de 30 dias para apresentação das candidaturas, o que atento o supra referido contexto legal em que aquele concurso se insere, designadamente o disposto nos nº 1 e 3 do artº 107º do Dec. Lei e nos nº 1 e 4 do artº 123º, obrigou os notários públicos, então em exercício, como era o caso da autora, a apresentar a sua candidatura a concurso para atribuição de licença para instalação de cartório notarial privado, sob pena de, não o fazendo, se presumir que optavam pela integração em serviço da Direcção Geral dos Registos e do Notariado e de, simultaneamente, perderem a preferência conferida pelo nº 4 do citado artº 123º neste primeiro concurso.

Portanto, o acto aqui impugnado, que a autora considera ilegal, por alegadamente ter sido praticado ao abrigo de normas inconstitucionais, produziu, desde logo, efeitos na esfera jurídica dos notários em exercício de funções à data da abertura do concurso, entre eles a autora, independentemente da decisão final do concurso e, nessa medida, tem eficácia externa, pelo que pelas razões atrás referidas e as demais já desenvolvidas nos pontos 2 e 3 supra, é tal acto impugnável, face ao artº 51º, nº 1 do CPTA.

Procedem, pois, as conclusões das 7ª a 14ª das alegações da recorrente, pelo que o acórdão recorrido e a sentença da 1ª Instância não se podem manter.
*

IV- DECISÃO

Termos em que acordam os juízes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e a decisão da 1ª Instância, devendo os autos prosseguir seus termos, se nada mais a tal obstar.

Custas pelo recorrido neste STA e no TCA, fixando a taxa de justiça em 5 UC (TCA) e 8 UC (STA), respectivamente.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2009. – Fernanda Martins Xavier e Nunes (relatora) – Maria Angelina Domingues – António Bento São Pedro.

Acórdão STA - Proc. 1061/06 - Recurso hierárquico necessário

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo: 01061/06
Data do Acordão: 28-12-2006
Tribunal: 2 SUBSECÇÃO DO CA
Descritores: RECURSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO
ESTATUTO DISCIPLINAR.
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL.
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Jurisprudência Nacional: AC STAPLENO PROC41608 DE 1996/02/03.; AC STAPLENO; PROC32592 DE 1996/05/07.; AC STAPLENO PROC45085 DE 1999/11/09.; AC STAPLENO PROC30307 DE 2000/02/18.; AC STAPLENO PROC46058 DE 2001/06/29.; AC STAPLENO PROC46058 DE 2002/04/18.; AC TC 86/84.; AC TC 39/88 IN ACTC V11 PAG233 E BMJ N347 PAG1147.; AC TC 9/95.; AC TC 603/95.; AC TC 24/96.; AC TC 499/96.; AC TC 40/2001.; AC TC 283/2001.; AC TC 253/2003.; AC STAPLENO PROC1865/02 DE 2003/02/06.; AC STA PROC350/03 DE 2003/04/09.; AC STA PROC1005/03 DE 2003/10/02.
Referência a Doutrina: VIEIRA DE ANDRADE EM DEFESA DO RECURSO HIERÁRQUICO IN CJA N0 PAG13; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA AS IMPLICAÇÕES DE DIREITO SUBSTANTIVO DA REFORMA DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO IN CJA N34 PAG71; VASCO PEREIRA DA SILVA EM BUSCA DO ACTO ADMINISTRATIVO PERDIDO PAG667 PAG674; PAULO OTERO AS GARANTIAS IMPUGNATÓRIAS DOS PARTICULARES NO CPA IN SCIENTIA IURIDCA VXII N235/237 PAG258; VASCO PEREIRA DA SILVA DE NECESSÁRIO A ÚTIL: A METAMORFOSE DO RECURSO HIERÁRQUICO NO NOVO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO IN CJA N47 PAG21 PAG23 PAG25; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA O NOVO REGIME DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 2ED PAG139; VIEIRA DE ANDRADE A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA (LIÇÕES) PAG269.

SUMÁRIO

I - O nº8 do artº78º do ED, ao impor a interposição de um recurso hierárquico necessário não padece de inconstitucionalidade material superveniente face ao nº4 do artº268º da CRP/97, nem se encontra revogado pelo CPTA, ou por qualquer outro diploma, pelo que se mantém em vigor.

II - Tendo sido julgado intempestivo o recurso hierárquico interposto pela ora recorrente ao abrigo do citado preceito legal, e não tendo a recorrente impugnado essa decisão, falta um pressuposto processual necessário para abertura da via contenciosa, o que obsta ao conhecimento do mérito da causa.

TEXTO INTEGRAL

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Administrativa do Supremo Tribunal Administrativo:

I- RELATÓRIO

A…, com os sinais dos autos, veio interpor recurso para o STA do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 13.09.2006, que revogou a sentença do TAF de Leiria e indeferiu a presente providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho do Director Regional de Educação de Lisboa, de 06.02.2005, que aplicou à recorrente a pena disciplinar de inactividade, graduada em um ano.

A recorrente termina as suas alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
A) A requerente intentou e foi decretada providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo do despacho do Senhor Director Regional de Educação de Lisboa que aplicou a pena disciplinar de inactividade de um ano, nos termos dos artº112º e segs.

b) Alegando,
b.1- Que o referido acto padece de ilegalidade, por falta de audiência da arguida e omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade e por ofensa do conteúdo essencial do direito de defesa, devendo ser declarado nulo, de acordo com os artº42º, 55º, 61º e 64º do DL 24/84, de 16.01, dos artº87º e 91º do CPA e artº42º do DL 24/84 e 133º, nº2d) do CPA.

b.2.- A prescrição dos processos disciplinares, considerando o disposto no artº4º e 88º do DL 24/84.

b.3- Que a decisão é um acto ineficaz, por violação do disposto no artº 68º, nº1 do CPA e 268º, nº3 da CRP.

b.4- Que a imediata execução do acto priva de meios de subsistência o agregado familiar da requerente, composto por três filhas estudantes, duas no ensino superior em Lisboa, pelo que a privação daquele rendimento constitui um prejuízo irreparável ou de difícil reparação, provocando um abaixamento drástico do nível de vida, em especial das filhas da requerente.

b.5. A adopção da providência não é susceptível de causar qualquer lesão para o interesse público.

B) O requerido apresentou oposição invocando ser manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular ou formulada no processo principal, por se verificar circunstâncias que obstam ao conhecimento do mérito, nos termos do artº120º, nº1 parte final da al. b), designadamente da necessidade de recurso hierárquico necessário do acto administrativo, para efeitos de impugnabilidade contenciosa, nos termos do artº73º e 74º do Estatuto Disciplinar.

C) Foi proferida douta sentença a decretar a suspensão da eficácia do acto administrativo, por considerar verificados todos os requisitos e que a questão de inimpugnabilidade do acto não se trata de uma manifesta falta de pretensão, atendendo que o novo CPTA deixou de fazer referência no seu artº51º ao requisito de definitividade vertical e actualmente esta é uma questão controvertida, discutida na doutrina e jurisprudência.

D) Pelo que deverá ser aprofundada e decidida na acção principal, atentas as características da provisoriedade e da instrumentalidade das providências cautelares, que exigem que a apreciação sobre as probabilidades de êxito do processo principal seja sumária e provisória, pois que o seu objectivo não é substituir o processo principal, mas dar-lhe efeito útil.

E) Não se conformando o requerido interpõe recurso para o Tribunal Central Administrativo que decidiu revogar a sentença e assim indeferir a providência cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo, com fundamento na manifesta falta de pretensão formulada ou a formular no pedido principal e que obsta ao conhecimento do mérito, designadamente a necessidade de recurso hierárquico necessário, nos termos da parte final da al. b) do nº1 do artº120º do CPTA, 73º e 74º do Estatuto Disciplinar.

F) Ao mesmo tempo que, no douto acórdão reconhece a controvérsia desta questão e admite a tendência para o alargamento da possibilidade de impugnação directa e imediata dos actos administrativos, atendendo à fase evolutiva do Direito Administrativo e ao facto d se poder vir a admitir a inconstitucionalidade destas normas antigas avulsas que prevêem o recurso hierárquico necessário, por violação do disposto no artº266º, nº4 da CRP.

G) Face ao exposto, é patente a necessidade de recurso, pois que no entender da requerente e recorrente, o douto acórdão padece de uma contradição grave e esta é uma questão que merece tratamento judicial.

H) Pois, do acórdão resulta claro que é unânime que a questão da definitividade vertical como requisito da impugnabilidade dos actos administrativos não é pacífica e manifesta, pelo que não será aplicável o disposto na parte final da al. b) do artº120º, nº1 do CPTA.

I) Por outro lado, o douto acórdão, ao contrário do entendimento sufragado na sentença recorrida, decidiu tomar posição definida sobre esta polémica questão, entendendo a necessidade de recurso hierárquico necessário, sendo que esta deverá ser uma questão a ser abordada na acção principal, sob pena de se retirar o efeito útil desta providência cautelar.

J) Pelo que, em nosso entender, a douta sentença não carece de qualquer reparo, inexistindo manifesta falta de pretensão e encontrando-se verificados todos os pressupostos para a concessão da suspensão de eficácia do acto administrativo.

K) ---------------------------------------------------------------------------

L) À cautela e relativamente à definitividade vertical, como requisito necessário à impugnação contenciosa do acto administrativo, sempre se dirá que, o CPTA não exige que os actos administrativos sejam objecto de prévia impugnação administrativa para que possam ser objecto de impugnação contenciosa.

M) Das soluções consagradas nos artº51º e 59º, nº4 e 5 decorre, por isso, a regra de que a utilização de vias de impugnação administrativa não é necessária para ceder à via contenciosa.

N) Sendo que o CPTA não revoga as múltiplas determinações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias, através de disposição legal expressa.

O) Na ausência de determinação legal expressa e de acordo com o espírito do novo CPTA, os artº51º e 59º, nº4 e 5, deve entender-se que os actos administrativos com eficácia externa, são imediatamente impugnáveis perante tribunais administrativos.

P) Assim, é impugnável aquele acto administrativo cujos efeitos que ele se destina a introduzir na ordem jurídica sejam susceptíveis de se projectar na esfera jurídica de qualquer entidade, privada ou pública, em condições de fazer com que para elas possa resultar um efeito útil da remoção do acto da ordem jurídica.

Q) E esta foi a ideia traduzida no novo CPTA e que se pode observar da leitura da sua exposição de motivos.

R) Pelo que, é nosso entendimento que o acto administrativo que aplicou à requerente e recorrente a pena disciplinar de inactividade, trata-se de um acto impugnável directamente, com eficácia externa e que de acordo com os artº51º, nº1 do CPTA, sob pena de inconstitucionalidade, designadamente o disposto nos artº268º, nº4 da CRP.

S) E, de outra forma, não faria sentido as normas do artº59º, nº4 e 5 do CPTA, que reafirmam esta inovação do Direito Administrativo, necessário à boa defesa dos direitos e garantias em geral.

T) Pelo que, em nosso entender, o acto administrativo é impugnável, nos termos do artº51º, 59º, nº4 do CPTA e 268º, nº4 da CRP, inexistindo qualquer fundamento para não aplicar o regime legal em vigor, pois que o que existe são norma antigas avulsas, com base num regime jurídico material e processual diferente da actualidade e do Direito Administrativo!!

U) Pelo que, V. Exª.s deverão revogar o douto acórdão, mantendo-se a douta sentença em vigor que concedeu a providência cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo, nos termos do artº112º e segs. do CPTA.

V) Sempre na plena convicção de que V.Exª. farão a devida acostumada JUSTIÇA.

*
O recorrido Ministério da Educação, nas suas alegações, veio sustentar, que a questão de direito colocada a este STA pela recorrente, e que esteve na origem do indeferimento do pedido de suspensão de eficácia do despacho punitivo suspendendo, não assume uma importância fundamental que justifique a presente revista.
*
Por acórdão deste STA, proferido em 09.11.2006, o recurso foi admitido, por se verificarem os pressupostos que condicionam a admissão do recurso excepcional de revista previsto no artº150º do CPTA.

Foi cumprido o artº146º, nº1 do CPTA, não tendo o MP emitido qualquer pronúncia sobre o mérito do recurso.

Cumpre agora decidir.
*

II- OS FACTOS

A matéria de facto é a fixada na sentença proferida em 1ª instância, para que se remete (artº713º, nº6 do CPC).
*
III – O DIREITO

Nos termos do nº1 do artº150º do CPTA, «Das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.»

O acórdão do STA que admitiu o presente recurso, considerou que se verificavam os pressupostos de admissão do presente recurso excepcional de revista e passamos a citar, « atendendo à importância jurídica de que se revestem as questões que a recorrente pretende submeter à apreciação deste STA.

Na verdade, tal como decorre dos autos, o Acórdão do TCA concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto da decisão do TAF (que tinha deferido a providência cautelar deduzida pela Recorrente), por ter entendido que se verifica manifesta falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal, na medida em que o acto cuja eficácia se pretendia ver suspensa estava sujeito a recurso hierárquico obrigatório, nos termos dos artº73º/75º do ED, normas que se manteriam em vigor, por não terem sido revogadas, expressa ou tacitamente, por qualquer diploma legal, designadamente o CPTA.

Sucede que a posição assumida no Acórdão recorrido, se reporta a questão que tem motivado, desde logo, divergência a nível da doutrina, bastando para o efeito atender, para além do mais, ao que defendem Mário Aroso de Almeida e Carlos A. Cadilha, in “ Comentários ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, a pgs. 262/264 e o que, a este propósito escreveu Vasco Pereira da Silva, in “ De necessário a útil: a metamorfose do recurso hierárquico”, a pág. 26/30, tendo sempre como pano de fundo o disposto no nº1 do artº51º e no nº5 do artº59º, todos do CPTA.

Por outro lado, trata-se aqui de questão cuja resolução envolve alguma complexidade, ao que acresce a circunstância de situações similares à dos autos poderem, muito provavelmente, surgir num número indeterminado de casos, sendo este um campo em que existência de uma evidente álea de incerteza é passível de afectar o regular uso das garantias contenciosas, impondo-se, por isso, a intervenção clarificadora do STA neste particular domínio.» Ficou, assim, definido o âmbito da presente revista, que incidirá sobre a questão jurídica identificada no referido acórdão do STA, como tendo relevância bastante para justificar, excepcionalmente, um terceiro grau de jurisdição e que é a de saber se as disposições dos artº73º/75º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (doravante ED), na parte em que exigem a interposição de recurso hierárquico necessário, como condição da impugnação contenciosa do acto que aplicou à recorrente pena disciplinar de inactividade por um ano, se mantêm em vigor após o CPTA.

Apreciemos então:

Os citados preceitos do ED têm a seguinte redacção, na parte relevante:

Artº73º
Da decisão proferida em processo disciplinar pode caber recurso hierárquico e recurso contencioso.
Artº74º
Das decisões condenatórias dos ministros e demais entidades competentes cabe recurso contencioso nos termos gerais.
Artº75
1. O arguido e o participante podem recorrer hierarquicamente dos despachos que não sejam de mero expediente proferidos por qualquer dos funcionários e agentes mencionados no artº16º.
2. (…)
3. O recurso hierárquico interpõe-se directamente para o membro do Governo competente, no prazo de 10 dias a contar da data em que o arguido e o participante tenham sido notificados do despacho ou no prazo de 20 dias a contar da publicação do aviso referido no nº2 do artº59º.
4.(…)
5. Se o arguido não tiver sido notificado, ou se a pena não tiver sido anunciada em aviso nos termos do nº3, o prazo conta-se a partir da data em que o arguido tiver conhecimento do despacho.
6. A interposição do recurso hierárquico suspende a execução da decisão condenatória e devolve ao membro do Governo a competência para decidir definitivamente, podendo este mandar proceder a novas diligências, manter, diminuir ou anular a pena.
7. A pena só pode ser agravada ou substituída por pena mais grave em resultado de recurso do participante.
8. Da aplicação de quaisquer penas que não sejam da exclusiva competência de um membro do Governo cabe recurso hierárquico necessário.

Resulta dos factos provados que à ora recorrente, professora vinculada do ensino básico, foi aplicada uma pena disciplinar de inactividade por um ano, por despacho do Director Regional de Educação de Lisboa (DREL), proferido em 06.05.2005, tendo a requerente interposto recurso hierárquico desse despacho para o Secretário de Estado Adjunto e da Educação (SEAE), recurso que foi rejeitado, por extemporâneo, por despacho do SEAE de 27.09.2005, despacho este que a requerente não impugnou, vindo apenas requerer, em 02.08.2006, a presente providência de suspensão da eficácia do referido despacho do DREL, alegando ir instaurar uma acção administrativa especial com vista à anulação do mesmo, acção que, conforme referido no artº5º da contestação da entidade requerida, já terá sido instaurada.

O acórdão recorrido considerou que os supra transcritos preceitos do ED, designadamente o nº8 do artº75º, ao exigirem a interposição de um recurso hierárquico necessário para abrir a via contenciosa, se mantêm em vigor, visto que não foram revogados, nem expressa, nem tacitamente, pelo CPTA ou por qualquer diploma.

Assim sendo e tendo em conta que o recurso hierárquico interposto pela ora recorrente do referido despacho do DREL, havia sido indeferido, por extemporâneo e que era este indeferimento que a ora recorrente devia ter impugnado contenciosamente e não o despacho do DREL, concluiu ser evidente, nos termos do artº120º, nº1, b) do CPTA, a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal, face à existência de uma circunstância impeditiva do conhecimento do mérito.

Assim, embora o acórdão também reconheça, como refere a recorrente nas suas alegações, a tendência para o alargamento da possibilidade de impugnação directa imediata dos actos administrativos e admita mesmo a possibilidade futura de vir a ser sustentada a inconstitucionalidade das disposições avulsas que prescrevem uma prévia reclamação ou recurso administrativo necessário, por violação da norma do artº268º, nº4 da Constituição, o certo é que acabou por entender que se mantêm em vigor as normas específicas anteriores do CPTA que, de modo claro, tornavam a impugnação contenciosa dos actos praticados por órgãos subalternos dependente de prévia impugnação hierárquica.
Portanto, a questão relevante que aqui importa clarificar é a de saber se se mantêm em vigor as disposições legais especiais que, na vigência da revogada LPTA, expressamente previam uma impugnação administrativa necessária como condição de abertura da via contenciosa de determinados actos administrativos, como é o caso do nº8 do artº75º do ED, ou se tais disposições se consideram revogadas face aos artº51º, 59º, nº4 e 5 do CPTA e ao artº268º, nº4 da CRP, como pretende a recorrente.

Com efeito não tem sido pacífica, pelo menos, desde a redacção do nº4 do artº268º da CRP, introduzida pela Lei nº1/89, de 8 de Julho (2ª revisão constitucional, que eliminou a referência à definitividade e executoriedade do acto administrativo, constante do nº3 do artº268º, na redacção inicial, como condição da sua recorribilidade contenciosa, passando a referir a garantia de recurso contencioso à lesividade do acto), a questão da compatibilidade, com este preceito constitucional, das disposições que prevêem impugnações administrativas necessárias.

Como é sabido, na vigência da LPTA, foi suscitada por alguma doutrina a questão da inconstitucionalidade superveniente do artº25ºdeste diploma, face ao nº4 do artº 268º da CRP, na versão de 1989, já que aquele preceito da LPTA dispunha que « só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios», sendo que o citado preceito constitucional, na apontada redacção, deslocou a garantia de recurso contencioso da definitividade e executoriedade do acto, para a sua lesividade, como referimos (a favor da compatibilidade constitucional de tais normas, se pronunciaram, por exemplo, Vieira de Andrade, Em Defesa do Recurso Hierárquico, CJA nº 0, p. 13 e segs. e Mário Aroso de Almeida, As implicações de direito substantivo da reforma do contencioso administrativo, CJA nº34, p.71 e segs e contra, Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, p. 667 e 674 e Ventos de Mudança…,CJA nº , p.11 e 66/89 e Paulo Otero, As garantas impugnatórias dos particulares no CPA, Scientia Iurídica, vol.XJI(nº235/237), p.58 e segs.).

Essa questão foi abundantemente apreciada por este STA, designadamente pelo Pleno da 1ª Secção e levada até ao Tribunal Constitucional, tendo, uniformemente, vindo a ser resolvida pela jurisprudência de ambos os Tribunais, no sentido da não inconstitucionalidade do artº25º da LPTA, no entendimento, em síntese, de que a consagração, na lei, de um meio de impugnação administrativa necessária, não contende, de per si, com a garantia de recurso contencioso acolhida no nº4 do artº268º da CRP, o que só aconteceria se o direito de acesso ao tribunal consagrado no artº20º da CRP, fosse, por essa via, suprimido ou restringido intoleravelmente, caso que não acontece com a impugnação necessária, já que o administrado pode sempre vir a impugnar judicialmente o acto que põe fim ao procedimento. A lesão do direito invocada, a existir, seria, por isso, meramente potencial (Cf. acs. Pleno do STA de 03.02.1996, rec. 41.608, de 07.05.96, rec. 32.592, de 09.11.99, rec. 45.085, de 18.02.2000, rec. 30.307, de 29.06.2001, rec. 46058, e de 18.04.3002, rec.46.058, bem como da Secção, de 21.05.92, rec. 30.391, de 16.02.94, rec. 32.904, de 07.03.96, rec. 39.216, de 14.11.96, rec. 32.132, de 25.06.98, rec. 43.603, de 12.05.99, rec.44.684, de 02.03.2000, rec.45.569, de 03.05.2001, rec. 46.888, de 05.12.2002, rec. 194/02, entre outros e Acs. Tribunal Constitucional nº 86/84, nº 39/88, vol.11º, 233, BMJ 374/1147, nº 28/92, DR II Série, nº69, de 22.03.85, p.3160, nº 9/95, nº 603/95, DR II, de, p. 3484, nº 24/96, nº 115/96, nº 499/96, de 20.03.1996, Proc. 383/93, nº 1002/96, nº 32/98, nº 676/98, nº 425/99, nº 431/99, nº124/00-P.231/99, nº 40/01 e nº 283/01, entre outros).

Posteriormente, com a nova redacção do nº4 do artº268º da CRP, introduzida pela Lei nº1/97, de 20.09, que veio incluir, expressamente, no direito à tutela jurisdicional efectiva, a impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, reacendeu-se a polémica da compatibilidade com o citado preceito constitucional, agora na versão de 1997, das impugnações administrativas necessárias (Cf. Vasco Pereira da Silva, De necessário a útil: a metamorfose do recurso hierárquico no novo contencioso administrativo, CJA nº47, p.21 e segs e Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, Almedina, p. 139 e Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa ( Lições), p. 269).

Mas quer este STA, quer o Tribunal Constitucional, se pronunciaram já, em vários arestos, pela compatibilidade do artº25º da LPTA, e, consequentemente, das normas que impõem uma prévia impugnação administrativa necessária para abrir a via contenciosa, com o citado preceito constitucional, na versão de 1997, que é a actual, reiterando a jurisprudência anterior, por considerarem que não é infirmada pelas alterações introduzidas no citado nº4 do artº268º da CRP com a revisão constitucional de 1997.

Refere-se, por exemplo, a este propósito, no acórdão do Tribunal Constitucional nº 425/99:
« (…) Após a Lei Constitucional nº1/97, neste artigo 268º, nº4, passou a referir-se o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, incluindo, nomeadamente, a impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem os administrados, independentemente da sua forma.

Tal norma contém, pois, uma garantia de protecção jurisdicional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Dela decorre, designadamente, a “ inconstitucionalidade de normas erguidas como impedimento legal a uma protecção adequada de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares”, bem como um dever de configuração adequada dos instrumentos de tutela judicial já existentes (assim, J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, pg.457).

Todavia, não se vê que da consagração dessa garantia de protecção jurisdicional, dirigida à protecção dos particulares através dos tribunais, deste direito de impugnação dos actos administrativos lesivos, haja que decorrer a impossibilidade do condicionamento, pelo legislador, de tal recurso contencioso a um recurso hierárquico dos actos administrativos proferidos por órgãos subalternos da Administração, ou o que é o mesmo, que dela decorra uma obrigatória impugnabilidade jurisdicional imediata desses actos, independentemente da sua reapreciação por órgãos superiores. Do artº268º, nº4 da Constituição não resulta, na verdade, como se diz no acórdão recorrido, “ a ideia de que todo o acto que não aquiesça às pretensões de um cidadão é imediatamente recorrível para os tribunais.”

Desde logo, um acto administrativo da autoria de um subalterno, como acto precário, susceptível de ser alterado por órgãos superiores, não reveste também carácter lesivo, como última palavra da Administração sobre a matéria, que não possa ser corrigida pela própria Administração. A reacção contra a potencial lesão resultante desse acto, igualmente precária, não tem, pois, que poder efectivar-se imediatamente através do recurso aos tribunais, podendo tal reacção ser condicionada à reapreciação pela própria Administração.

Por outro lado, da obrigatoriedade de um prévio recurso hierárquico não resulta a inviabilização, ou sequer, a inadequação da tutela de direitos interesses dos particulares. Apenas se impõe a necessidade de impugnação hierárquica prévia dos actos de órgãos subalternos, ficando, em qualquer caso, assegurado o posterior recurso contencioso.
(…)
A tutela jurisdicional efectiva dos administrados não resulta, nem inviabilizada, nem sequer restringida pela previsão de tal via hierárquica necessária, como meio de, em primeira linha, tentar obter a satisfação do interesse do administrado pela revisão do acto administrativo praticado pelo órgão subalterno da Administração, previamente, ao sempre assegurado recurso jurisdicional. Trata-se apenas de condicionamento legítimo do direito de recurso contencioso, ficando sempre ressalvada a garantia de tutela judicial em todos os casos concretos (…)» (no mesmo sentido, se pronunciaram os acs. TC nº 283/01 e nº 235/03)

Igualmente o STA tem reafirmado que só há inconstitucionalidade se o percurso imposto por lei para alcançar a via contenciosa suprimir ou restringir intoleravelmente o direito de acesso ao tribunal ou, por qualquer forma, prejudicar de forma desproporcionada ( ou arbitrária) a tutela judicial efectiva dos cidadãos, o que não acontece, em princípio, com as impugnações administrativas necessárias, maxime, o recurso hierárquico necessário. (cf. Ac. Pleno de 06.02.03, rec.1865/02 e acs. da Secção, de 09.04.2003, rec.350/03, de 02.10.03, rec. 1005/03, entre outros)

Com efeito, além de se encontrar assegurada a via contenciosa, a impugnação administrativa quando necessária gera, em princípio, a suspensão automática dos efeitos do acto impugnado, como decorre dos artº163º, nº1 e 170º do CPA, além de que é um meio de reacção mais fácil e barato, proporcionando ainda vantagens de ordem prática, já que o recurso hierárquico necessário, obriga a que o superior hierárquico, supostamente mais habilitado, se pronuncie sobre o caso, evitando, eventualmente, a impugnação judicial, e, portanto, as despesas inerentes, além de proporcionar mais tempo para a preparação da impugnação judicial e do eventual pedido de suspensão de eficácia do acto, no caso da decisão ser desfavorável (cf. neste sentido, Vieira de Andrade, obra e local citados).

Mas, se assim era antes da entrada em vigor do CPTA em 01.01.2004, não há razão para deixar de o ser, após a entrada em vigor deste diploma legal, uma vez que o mesmo se limitou a concretizar a referida norma constitucional (citado nº4 do artº268º da CRP, na versão de 1997), a qual, entretanto, não sofreu qualquer alteração, pelo que a jurisprudência referida mantém hoje inteira actualidade. E, assim sendo, pelas razões já referidas, continua a não existir qualquer incompatibilidade, com o citado preceito constitucional, das normas que hoje especialmente prevejam impugnações administrativas necessárias.

Pelo que, concordando com essa jurisprudência e transpondo-a para a situação sub judice, forçoso é concluir pela compatibilidade do nº8 do artº75º do ED com o citado preceito constitucional.

Com efeito, a exigência, contida no nº8 do artº75º do ED, de interposição de recurso hierárquico necessário dos despachos que apliquem quaisquer penas disciplinares que não sejam da exclusiva competência de um membro do Governo, não suprime nem restringe intoleravelmente o direito de acesso aos tribunais (artº20º da CRP), nem viola o direito à tutela judicial efectiva (artº268, nº4 da CRP), pois o administrado pode sempre impugnar contenciosamente, nos termos gerais, eventual decisão desfavorável da impugnação administrativa, não sendo também afectada a sua utilidade, na medida em que, nos termos do nº6 do mesmo preceito legal, a interposição daquele recurso hierárquico suspende os efeitos do acto punitivo, pelo que estamos perante um condicionamento legítimo.

Consequentemente, o citado preceito do ED não padece de inconstitucionalidade material superveniente, por violação do nº4 do artº268º da CRP.
*
Resta, pois, apreciar se o nº8 do artº75º do ED foi revogado pelos artº51º, nº1 e 59º, nº4 e 5 do CPTA, como também pretende a recorrente.

É verdade que os defensores da inconstitucionalidade das normas que prevêem impugnações administrativas necessárias vêem, nos referidos preceitos do CPTA, uma vontade legislativa de afastar definitivamente a impugnação administrativa necessária, de a proibir, vontade que pretendem corresponder também à vontade do legislador constitucional.

Só que, como vimos, não foi essa a vontade do legislador constitucional, e também não resulta do CPTA, designadamente dos citados preceitos legais, que tenha sido essa a intenção do legislador ordinário, nem se compreende sequer a necessidade de absoluta proibição da impugnação administrativa necessária, se, como se referiu, tal condicionamento não põe, em princípio, em causa a tutela jurisdicional efectiva.

O que se passou, foi que o legislador do CPTA, concretizando agora, na lei ordinária, o alargamento, pretendido pelo legislador constitucional, da garantia de recurso contencioso a quaisquer actos administrativos lesivos dos direitos e interesses dos administrados, veio inverter a regra, até então existente, do recurso hierárquico necessário, para a regra do recurso hierárquico facultativo, permitindo que o administrado possa agora optar entre só impugnar o acto contenciosamente, só impugnar o acto administrativamente, ou impugnar um e outro, como decorre dos artº51º, nº1 e 59º, nº4 e 5 , citados pela recorrente.

Dispõem estes preceitos, que:
Artº51º
1. Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
(…)
Artº59º
(…)
4. A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal.
5. A suspensão do prazo previsto no número anterior não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do acto na pendência da impugnação administrativa, bem como de requerer a adopção de providências cautelares.

É verdade que quem sustentava a inconstitucionalidade das normas que previam impugnações administrativas necessárias já antes do CPTA, continua hoje a fazê-lo após o CPTA, defendendo que a impugnação dita necessária é hoje um condicionamento desnecessário, porque afinal, face aos citados preceitos do CPTA, a impugnação administrativa tem sempre carácter facultativo e suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto, sem prejuízo do administrado poder impugnar contenciosamente o acto na pendência da impugnação administrativa ou decorrido o prazo legal para a sua decisão, o que significa que a impugnação necessária perdeu qualquer utilidade, já que a sua única razão de ser era permitir o recurso contencioso (Cf. Vasco Pereira da Silva, De necessário a útil…, CJA nº47, p.21 e segs., maxime p. 23 e 25).
Efectivamente, hoje, face aos referidos preceitos do CPTA e contrariamente ao que acontecia face ao revogado artº25º da LPTA, a regra é o carácter facultativo da impugnação administrativa, seja reclamação, seja recurso hierárquico. Houve, pois, neste aspecto, uma mudança de paradigma.

Mas o estabelecimento desta regra, não põe em causa as disposições legais especiais que previam impugnações administrativas necessárias, pois tais normas não foram expressamente, nem inequivocamente, revogadas pelo CPTA, ou por qualquer outro diploma legal ( artº7º , nº3 do C. Civil).

Mesmo quem defende que tais normas não se encontram em vigor, não afirma a sua revogação pelo CPTA, antes faz decorrer essa revogação ou antes caducidade, por falta de objecto, de uma pretensa consagração constitucional da proibição da impugnação administrativa necessária contida no nº4 do artº268º da CRP, ou seja, em última instância, da inconstitucionalidade material superveniente das referidas normas.

Ora, já vimos, que tal argumentação não tem condições de procedência.
Portanto, rejeitado o argumento da inconstitucionalidade das impugnações administrativas necessárias, e não se mostrando revogadas as normas que especialmente as prevêem, nem desprovidas de utilidade, há que concluir hoje, face ao CPTA, que tais normas se mantêm em vigor. (cf. neste sentido, Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, Almedina, p. 139 e também Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 4ª edição, Almedina, p. 269 e seg.).

Sendo certo que quando o legislador, na vigência da LPTA, previa especialmente o recurso hierárquico necessário, sendo ele então a regra, era porque nesse caso, havia outras razões que justificavam tal exigência, que não, ou não só, a razão que é apontada, de ser esta a via de se permitir o recurso contencioso, pois há que presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artº9º do C. Civil), designadamente essa seria a única via de suspender automaticamente a produção de efeitos imediatos na esfera jurídica do administrado, de um acto praticado por um subalterno, mesmo em matéria da sua competência exclusiva (e continua a ser, já que a impugnação facultativa não suspende os efeitos do acto, mas apenas o prazo da impugnação contenciosa, daí a necessidade de se prever no nº5 do artº59º do CPTA, a possibilidade do administrado impugnar contenciosamente o acto e requerer providências na pendência da impugnação administrativa, de outro modo, estar-se-ia aqui sim a violar a tutela judicial efectiva).

Portanto, a questão de saber se a impugnação necessária deixou de o ser, só pelo facto de se permitir hoje, como regra, a impugnação contenciosa imediata dos actos administrativos, deve ser respondida negativamente. A regra é, de facto, essa, mas pode haver excepções, já que o legislador do CPTA não as exclui.

E uma dessas excepções é a prevista no nº8 do artº75º do ED que se encontrava em vigor à data em que foi proferido o despacho do DREL, cuja suspensão aqui se pretende.

Face a tudo o anteriormente exposto, há que concluir que o nº8 do artº78º do ED, ao impor a interposição de um recurso hierárquico necessário, não padece de inconstitucionalidade material superveniente face ao nº4 do artº268º da CRP/97, nem se encontra revogado pelo CPTA, ou por qualquer outro diploma, pelo que se mantém em vigor.

Pelo que, tendo sido julgado intempestivo o recurso hierárquico interposto pela ora recorrente ao abrigo do citado preceito legal, e não tendo a recorrente impugnado essa decisão, falta um pressuposto processual necessário para abertura da via contenciosa, o que obsta ao conhecimento do mérito da causa.

Consequentemente, não merece reparo o acórdão recorrido.
*
IV- DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 28 de Dezembro de 2006. - Fernanda Xavier (relatora) – Azevedo Moreira - Rosendo José.