quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O Contencioso Administrativo Cubano


Breve análise Histórica e Constitucional do contencioso administrativo Cubano

O direito administrativo em Cuba herdou o esquema fundamental da sua estrutura e funcionamento do modelo soviético denominado “socialismo real” que vigora na ilha desde a declaração formal de Estado socialista em Abril de 1961 e que culminou no processo de institucionalização política que se formalizou com a Constituição Socialista de 1976.

Podemos dividir a História do contencioso Cubano em três momentos:
1.º - O primeiro momento do contencioso cubano ocorre entre 1517 e 1898, época em que Cuba estava colonizada e incorporada no império Espanhol como província ultramarina, constituindo um dos pilares fundamentais das colónias espanholas no continente americano e a maior ilha do Caribe sendo um ponto de comunicação entre os dois hemisférios americanos. Todo o ordenamento administrativo era importado de Espanha, que legislava e ordenava através de um ministro do Ultramar toda a vida social, económica, política e administrativa do país.

2.º - O segundo momento que vai de 10 de Dezembro de 1898 (ano em que ocorre a independência de Cuba face a Espanha com a derrota desta na primeira invasão americana) até 1959 No dia 20 de Maio de 1902 foi proclamada a República em Cuba, mas o governo norte-americano, em 1901, tinha convencido a Assembleia Constituinte cubana a incorporar um apêndice à Constituição da República, a Emenda Platt, pela qual se concedia aos Estados Unidos o direito de intervir nos assuntos internos da nova república, negando à ilha, bem como à vizinha ilha de Porto Rico, a condição jurídica de nação soberana, o que limitaria sua soberania e independência por 58 anos. No dia 1 de Janeiro de 1959 o Exército Rebelde dirigido pelo seu Comandante e chefe, Fidel Castro, derrota o governo do país. É a partir desse momento que Cuba obtêm a sua total e definitiva independência em relação aos EUA. A República Cubana manteve de 1902 a 1952 grande parte da legislação substantiva e adjectiva herdade do domínio Espanhol, este Cuba foi única na sua época porque apesar de independente manteve na integra grande parte do direito Espanhol como o código civil, código comercial, e o código penal que apenas mudou de denominação mantendo os mesmos princípios.
Quanto ao direito administrativo foi a ciência que sofreu a mudança mais radical porque um Estado que acaba de nascer e de se tornar independente não pode ter na sua base instituições que recordem as derrubadas. Por isso Cuba modificou todo o sistema administrativo herdado de Espanha. Tal mudança teve expressão na constituição de 1901 e posteriormente na de 1940 com duas normas; uma com carácter adjectivo e outra com carácter substantivo para o ordenamento administrativo e o seu contencioso mas conservando os pilares dogmáticos do direito administrativo Espanhol.


3.º O terceiro momento vai de 1959 até aos nossos dias. As características mais importantes do sistema administrativo cubano são o modelo autocrático, hierarquizado - centralizado e vertical, que importa o sistema soviético com uma base constitucional débil. Em Cuba não existe um conceito claro do que é o Direito Administrativo sob o ponto de vista do que é o Direito Administrativo na Europa onde impera um Estado de Direito mais ou menos consolidado. Esta falta de desenvolvimento explica-se pela necessidade do elemento político mover-se de forma proteger a Ilha dos ataques americanos contra a ideologia de Revolução. Nesta medida as normas administrativas são extremamente rígidas e inamovíveis quando o Estado tem em vista um bem superior (caso das expropriações das grandes propriedades). E de um ponto de vista jurídico não existem instituições administrativas judicialmente independentes. Em Cuba a função judicial e o Ministério Público estão previstos no Capítulo X da Constituição da República. Desde logo ressalte-se que não existe Poder Judiciário nos moldes da tripartição de poderes prevista por Montesquieu, pela maioria dos países do mundo ocidental. Exactamente por não existir um Poder Judiciário, os Tribunais, nos termos do art.121 da Carta Magna, são subordinados hierarquicamente à Assembleia Nacional do Poder Popular e ao Conselho de Estado. Portanto, não possuem autonomia administrativa e financeira. O órgão máximo da função judicial é o Tribunal Supremo Popular, com sede na capital e jurisdição em todo o país. O TSP possui um Conselho de Governo tendo este órgão atribuições de propor leis, emitir instruções de cumprimento obrigatório aos demais Tribunais e de estabelecer uma prática judicial uniforme na interpretação e aplicação da lei.

Hierarquia Jurisdicional

O Tribunal Supremo de Cuba é o mais alto órgão do poder judiciário do país - a corte de apelação de última instância.
Cuba é um estado unitário dividido em 14 províncias e inúmeros municípios. Cada província e cada município têm, simultaneamente, uma Assembleia do Poder Popular eleita e pelo menos um Tribunal Província Popular (têm o seu Conselho de Governo, com estrutura assemelhada à do Tribunal Supremo Popular), cuja sede será em local definido pelo Conselho de Governo do Tribunal Supremos Popular. As cortes municipais são a justiça de primeira instância, enquanto as cortes provinciais cuidam do julgamento de pequenas contra-ordenações penais ecausas cíveis de conflito, como divórcios, além de servirem como corte de apelação para as sentenças das cortes municipais.
Além dessas organizações formais, o sistema político de Cuba integra, no seu processo decisório, um conjunto de organizações populares, tais como o Partido Comunista de Cuba, a Federação Cubana de Mulheres e a Associação Nacional de Pequenos Fazendeiros.

Integração e funcionamento do Tribunal Supremo Popular

O Tribunal Supremo Popular é composto por um Presidente, Vice-presidentes, Presidentes das Salas de Justiça e demais juízes profissionais e os leigos afectos às salas.
Todos os Juízes profissionais têm o carácter de titulares e são cerca de 48, entre os quais se encontra o Presidente, 4 Vice-presidentes e os 6 presidentes das salas que em conjunto com os restantes juízes profissionais e leigos os quais integram o “EL Pleno” e que se reúne excepcionalmente como “Sala de Justicia” para conhecer das matérias que são da sua competência por lei.
A estrutura do órgão superior de justiça cubano compreende: “el Consejo de Gobierno” e “Las Salas de Justicia”.
El Consejo de Gobierno é composto pelo Presidente do Supremo Tribunal Popular, os Vice-Presidentes e os presidentes das salas
As salas de Justiça são 6 e contam com o seguinte número de Juízes profissionais incluindo os seus presidentes:

”Sala de lo Penal”------------------------------------------------------- 14 Juizes.
“Sala de lo Civil y de lo Administrativo”------------------------------------- 7 Juizes
“Sala de los Delitos contra la Seguridad del Estado”----------------- 6 Juizes
“Sala de lo Laboral”----------------------------------------------------- 4 Juizes
“Sala de lo Económico”------------------------------------------------- 6 Juizes
“Sala de lo Militar”------------------------------------------------------- 6 Juizes

Roberto Pereira n.º15373

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Legitimidade e interesse processual:

Em primeiro lugar tem legitimidade para impugnar quem alegue ser titular de um interesse pessoal e directo, designadamente ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos: art.55º/1, a).

A utilização da forma “interesse directo e pessoal” aponta no sentido de que a legitimidade individual para impugnar actos administrativos não tem de basear-se na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido, mas se basta com a circunstância de o acto estar a provocar, no momento em que é impugnado, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor de modo que a anulação ou a declaração de nulidade desse acto lhe traz, pessoalmente a ele, uma vantagem directa ou imediata.

Já no que se refere aos requisitos do carácter “directo” e “pessoal”, deve quanto a nós ser estabelecida uma clara distinção entre um e outro. Na verdade, só o carácter “pessoal” do interesse verdadeiramente diz respeito ao pressuposto processual da legitimidade, na medida em que se trata de exigir que a utilidade que o interessado pretende obter com a anulação ou a declaração de nulidade do acto impugnado seja uma utilidade pessoal, que ele reivindique para si próprio, de modo a poder afirmar-se que o impugnante é considerado parte legitima porque alega ser, ele próprio, o titular do interesse em nome do qual se move no processo.

Já o carácter “directo” do interesse tem que ver com a questão de saber se existe um interesse actual em pedir a anulação ou a declaração de nulidade do acto que é impugnado. Admitindo que o impugnante é efectivamente o titular do interesse, trata-se de saber se esse interesse é actual. O requisito do carácter “directo” do interesse já não tem que ver com a legitimidade processual, mas com a questão do interesse processual em agir.

O pressuposto da legitimidade não se confunde com o do interesse processual ou interesse em agir. Com efeito, pode não haver qualquer dúvida quanto á questão de saber se quem está em juízo é parte na relação material, tal como o autor o configurou, e no entanto poder questionar-se a existência de uma necessidade efectiva de tutela judiciária e, portanto, de factos objectivos que tornem necessário o recurso á via judicial. O requisito do interesse processual sempre revelou, no contencioso administrativo, em domínios como o da impugnação de actos administrativos, designadamente para o efeito de se aferir da actualidade do interesse dos recorrentes particulares, em termos de saber se os recursos contenciosos em interpostos contra actos administrativas eficazes, que lhes infligissem lesões efectivas, que não apenas potenciais ou hipotéticas (interesse directo).

O requisito do interesse processual é, no entanto, chamado com o novo contencioso administrativo, a desempenhar um papel muito mais relevante. Vários factores concorrem nesse sentido. O mais relevante decorre do facto de o novo sistema colocar á disposição dos eventuais interessados um conjunto de novas vias de acesso á justiça administrativa que não tem carácter impugnatório e portanto, não desempenham uma função reactiva. A questão já se coloca porém, de modo diferente quando se trate de prevenir eventuais agressões futuras ou de obter pronúncias judiciais que se limitem, muito simplesmente, a dizer o Direito, no propósito de afastar equívocos e riscos só potencialmente lesivos.

A exemplo do que sucede com o CPC alemão, o CPTA não consagra, em termos gerais, o interesse em agir como um pressuposto processual, mas contém uma referência expressa a este requisito, no art.39º, a propósito das situações em que o problema reconhecidamente se coloca com maior acuidade, e que se prendem com as acções meramente declarativas ou de simples apreciação, determinadas por uma incorrecta avaliação de situação existente. Por outro lado, no art.55º/1, a), embora misturada com a questão da legitimidade, surge uma manifestação do mesmo requisito na exigência de um carácter “directo” ao interesse individual de impugnar actos administrativos. Com efeito, quando se exige que o interesse do impugnante deve ser constituído numa situação de efectiva necessidade de tutela judiciária. E o mesmo resulta do mesmo artigo quando faz, a título meramente ilustrativo, á hipótese de o impugnante “ter sido lesado pelo acto nos seus direitos e interesses”. Também neste plano se faz apelo simultâneo a duas ideias diferentes: possui legitimidade quem alegue ser titular do direito ou interesse e o seu interesse processual radica na alegação de ter sido lesado nesse seu direito ou interesse, circunstância da qual advém o interesse directo (interesse processual) em demandar. Se uma acto administrativo pode ser impugnado por alguém, ela não pode deixar, objectivamente, de ser qualificado como impugnável. A questão, que a partir daí, se há-de colocar é, pois, a de apurar, em cada caso concreto, se quem se propõe impugnar esse acto se apresenta como parte legítima e, por outro lado, como estando colocado em situação que, do ponto de vista do interesse em agir, fundamente a necessidade de recorrer á via judicial.

O art.54º é um artigo sobre o interesse processual em demandar, no caso, em impugnar actos administrativos ineficazes. A exemplo do que acontece com o art.39º, também ele tem em vista situações em que o problema da existência de um interesse em agir se coloca com acuidade, na medida em que se pode dizer que há uma presunção de que não existe interesse directo, actual em impugnar actos administrativos que ainda não produzem efeitos na ordem jurídica porque (ainda) não lesaram ninguém. Tal como nas hipóteses do art.39º, têm-se em vista no art.54º:

· Situações de lesão efectiva, resultantes de condutas ilegítimas, destituídas de fundamento jurídico, no art39º, as situações de incerteza, porventura decorrentes de afirmações ilegítimas da Administração; no art.54º/1, a), as situações de execução ilegítima do acto ineficaz.

· Situações de ameaça de lesão, resultantes do fundado receio da verificação, num futuro próximo, de circunstâncias lesivas. No art.39º, o receio da adopção de condutas lesivas sem que tenha sido já praticado um acto administrativo; no art.54º/1 b), o receio das consequências lesivas futuras que resultarão da produção de efeitos e eventual execução do acto (ainda) ineficaz.

O CPTA não exige, em termos gerais, que os actos administrativos tenham sido objecto de prévia impugnação administrativa para que possam ser objecto de impugnação contenciosa, art. 51º e 59º/4 e 5 decorre por isso a regra de que a utilização de vias de impugnação administrativa não é necessária para aceder a via contenciosa. Não é necessário para haver interesse processual no recurso á impugnação perante os tribunais administrativos que o autor demonstre ter tentado infrutiferamente obter a remoção do acto que considera ilegal por via extrajudicial.

As decisões administrativas continuam, no entanto a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isso esteja expressamente previsto na lei, em resultado de uma opção consciente e deliberada do legislador; quando este a considere justificada.

Se um interessado impugnar um acto administrativo perante os tribunais sem ter feito uso da impugnação administrativa necessária que ao caso a lei expressamente fazia corresponder, a sua pretensão deve ser rejeitada porque a lei não lhe reconhece o interesse processual que, no caso, se deveria sustentar na demonstração de ter tentado infrutiferamente obter o resultado pretendido pela via extrajudicial legalmente estabelecida. O acto em si mesmo, não mudou de natureza pelo facto de não ter sido objecto da necessária impugnação administrativa e a própria posição material do interessado em relação ao acto também não se alterou: se ele era, por hipótese, destinatário do acto, que na sua esfera jurídica projecta os seus efeitos, essa circunstância também não se alterou. O problema é exclusivamente um problema de interesse em aceder á justiça, como bem demonstra a circunstância da imposição de impugnações administrativas necessárias poder ser motivada, tal como sucede, em termos gerais, com a exigência do requisito do interesse processual, pelo duplo propósito de “evitar que as pessoas (no caso as entidades administrativas) sejam precipitadamente forçadas a vir a juízo, para organizarem, sob cominação de uma sanção grave, a defesa dos seus interesses, numa situação em que a situação da parte contrária (no caso, o impugnante) o não justifica e de “não sobrecarregar com acções desnecessárias a actividade dos tribunais, cujo tempo é escasso para acudir a todos os casos em que é realmente indispensável a intervenção jurisdicional”.

Leila Sargento nº16721

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Acórdãos TCAN
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:
00122/09.2BEMDL
Secção:
1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:
17-06-2010
Tribunal:
TAF de Mirandela
Relator:
Drº José Augusto Araújo Veloso
Descritores:
LEGITIMIDADE ACTIVA
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
INTERESSE LEGÍTIMO
Sumário:
I. Para se poder fazer um juízo positivo sobre a legitimidade activa, é suficiente que o autor da acção impugnatória alegue, de um modo fundamentado, ser titular de interesse legítimo, directo e pessoal na impugnação de determinado acto administrativo, mormente por ter sido lesado por esse acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, e que o autor da acção especial de condenação à prática de acto legalmente devido alegue, de modo fundamentado, ser titular de direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão desse acto;II. O interesse será legítimo quando é protegido pela ordem jurídica, será directo quando tem repercussão imediata no interessado, e será pessoal se a repercussão da anulação do acto se projecta na sua própria esfera jurídica;III. O interesse em ver invalidado acto que reclassificou vários colegas seus, tendo como resultado apenas que esses colegas continuem na posição em que o próprio autor se encontra, traduz-se em mero conforto moral, irrelevante para efeitos de legitimidade. ** Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:
28-04-2010
Recorrente:
C...
Recorrido 1:
Ministério da Justiça
Votação:
Unanimidade
Meio Processual:
Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
Negar provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:RelatórioC… – residente na Avenida … – interpõe recurso da decisão judicial que foi proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Mirandela – em 20.01.2010 – e que absolveu da instância o Ministério da Justiça com fundamento em ilegitimidade activa – trata-se de um saneador/sentença, que foi proferido em acção administrativa impugnatória, na qual a ora recorrente demanda o MJ pedindo ao tribunal que declare nula ou inexistente, ou anule, a reclassificação profissional de 37 funcionários do quadro de pessoal da Direcção Geral dos Serviços Prisionais com efeitos a 31.12.2008.Conclui assim as suas alegações:1- A recorrente entende que a decisão judicial recorrida erra, pois julga, incorrectamente, a autora como parte ilegítima;2- A autora tem um interesse directo e pessoal na impugnação do acto administrativo, tal como impõe o artigo 55º do CPTA;3- Tem interesse directo [actual] e pessoal porque com a anulação, nulidade ou declaração de inexistência, do acto impugnado, pode ver alterada a sua classificação profissional;4- É facto notório que a não reclassificação da autora a lesa quer na progressão na carreira quer economicamente [pois ganha substancialmente menos que os colegas que foram reclassificados];5- O tribunal a quo devia ter conhecido do mérito da causa; 6- Devia ter-se pronunciado sobre o facto de o acto administrativo impugnado padecer de vício de forma e de violação de lei [a Lei nº12-A/2008 de 27.02]; 7- Nomeadamente, porque foram reclassificados trabalhadores já depois de tal ser legalmente impossível, porque a coberto de lei revogada;8- E porque foram omitidas, ou não cumpridas, as formalidades necessárias, e legalmente impostas ao abrigo da lei actual, como sejam a criação e publicação [no serviço ou órgão competente e na página electrónica da dgsp.mj.pt] da lista nominativa;9- A autora reúne requisitos para transitar para carreira e categoria diferente nos termos do disposto nos artigos 95º a 98º da Lei nº12-A/2008 de 27.02; 10- Sendo declarado nulo, ou inexistente, ou anulado, o acto em causa, e repetido o processo, agora de forma legal, pode assim transitar, como deve, para categoria superior;11- Pelo que foram violadas ou incorrectamente aplicadas diversas normas legais, nomeadamente, entre outras, o artigo 55º do CPTA.Termina pedindo a revogação da decisão judicial recorrida, bem como o prosseguimento da acção para conhecimento do mérito do seu pedido.A entidade recorrida contra-alegou, concluindo assim:1- Não deverá merecer censura a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela;2- Com efeito, não se vislumbra em relação à autora qualquer efeito positivo decorrente da procedência da presente acção, já que, dos seus pedidos condenatórios não se lobriga, salvo melhor opinião, como poderá a mesma ser beneficiada com a procedência dos mesmos;3- Note-se que a autora se conformou com o indeferimento, por despacho da Senhora Directora-Geral dos Serviços Prisionais de 30.04.08, do pedido de reclassificação profissional anteriormente apresentado, já que não se socorreu dos meios administrativos e/ou judiciais que tinha ao seu dispor para o sindicar;4- Vindo agora, em sede de acção administrativa especial sindicar o despacho proferido pela Senhora Directora-Geral dos Serviços Prisionais de 31.12.2008, exarado na Informação n°1007/DGRH/2008, onde foi determinada a reclassificação profissional de 37 trabalhadores do então quadro de pessoal da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais;5- Sendo a autora parte ilegítima deverá ser o réu absolvido da instância. Termina pedindo o não provimento do recurso, e a manutenção do decidido pelo tribunal a quo.O Ministério Público pronunciou-se [artigo 146º nº1 do CPTA] pelo não provimento do recurso jurisdicional.De FactoSão os seguintes os factos considerados pertinentes e provados para a apreciação deste recurso jurisdicional [artigo 712º do CPC ex vi 140º do CPTA]:1- Em 21.04.2009 deu entrada no TAF de Mirandela a petição inicial desta acção, na qual a aí autora, ora recorrente, termina pedindo que seja declarado nulo, ou inexistente, ou anulado, o acto de 31.12.2008 da Directora-Geral dos Serviços Prisionais [DGSP] que procedeu à reclassificação de trinta e sete funcionários do então quadro de pessoal da DGSP [ver primeiras folhas do suporte físico do processo, e folhas 1 a 4 do PA];2- Nos artigos 16º e 17º dessa petição inicial, diz a autora, além do mais, que em 15.10.2007 voltou a insistir no seu pedido de reclassificação, e que a resposta, indeferindo esse seu pedido de reclassificação profissional, foi despachado pela DGSP em 30.04.2008, o que lhe foi notificado em 12.05.2008 [ver 5ª folha do suporte físico do processo];3- Após apresentação de contestação pelo demandado, a titular do processo judicial proferiu a seguinte decisão judicial [aqui recorrida]:[…] Da legitimidade da autora Nos termos do artigo 55º nº1 alínea a) do CPTA tem legitimidade para impugnar um acto administrativo quem alegue ser titular de interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.Ao falar em interesse pessoal a lei quer «exigir que a utilidade que o interessado pretende obter com a anulação ou a declaração de nulidade do acto impugnado seja uma utilidade pessoal, que ele reivindique para si próprio, de modo a poder afirmar-se que o impugnante é considerado parte legítima porque alega ser, ele próprio, o titular do interesse em nome do qual se move no processo. Já o carácter ‘directo’ do interesse tem que ver com a questão de saber se existe um interesse actual em pedir a anulação ou a declaração de nulidade do acto que é impugnado. Admitindo que o impugnante é efectivamente o titular do interesse, trata-se de saber se esse interesse é actual, no sentido de saber se existe uma efectiva lesão que justifique a utilização do meio impugnatório» -Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, Revista e Actualizada, páginas 37-38.No caso dos autos, a autora C… vem impugnar o acto de reclassificação profissional de 37 funcionários do então quadro de pessoal da Direcção-Geral dos Serviços Previsionais com efeitos a 31.12.2008, pedindo que seja declarado nulo ou inexistente ou subsidiariamente que seja anulado.Mas do que alega não resulta que autora retire da procedência da acção qualquer utilidade ou que esteja a ser lesada com o acto de reclassificação daqueles funcionários. É certo que a autora alega que havia requerido a sua reclassificação por reunir todos os pressupostos [15º e 16º da petição] e que tal pedido foi indeferido em 30.04.2008 pela Directora-Geral dos Serviços Prisionais [17º da petição]. Mas ter-se-á conformado com tal decisão, uma vez que não refere ter reagido contra ela, administrativa ou judicialmente.Ora, não seria a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência do despacho impugnado que iria alterar a situação da autora relativamente à reclassificação.Pelo que a autora não tem um interesse pessoal na demanda.É, assim, parte ilegítima.A ilegitimidade é uma excepção dilatória que determina a absolvição da instância do réu, e é do conhecimento oficioso [artigos 87º nº1 alínea a) e 89º nº1 alínea d) e nº2 do CPTA].Em conformidade com o exposto, julgo a autora parte ilegítima e, em consequência, absolvo o réu da instância. De DireitoI. Cumpre apreciar a questão suscitada pela recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1.II. Uma única questão é colocada neste recurso jurisdicional, e consiste em saber se assiste, ou não, legitimidade à autora da acção para impugnar o despacho de reclassificação de 37 colegas seus.O tribunal a quo entendeu que não, e assim julgou. Ela continua a defender que sim. Mas sem razão, como veremos. Enquadremos juridicamente a questão.O que se pretende saber, através do requisito da legitimidade, é a posição que devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo, para que o julgador possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa, julgando a acção procedente ou improcedente.O pressuposto processual da legitimidade é, pois, condição para obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da pretensão formulada, e assim se diferencia das chamadas condições de procedência da acção que integram os requisitos indispensáveis para que a pretensão do autor proceda. Verificada a ilegitimidade do autor, o julgador abstém-se, pois, de apreciar o mérito da sua pretensão, e absolve o réu da instância, tal como aconteceu no presente caso - artigos 89º nº1 alínea d) do CPTA, 493º nº2, 494º alínea e) e 288º nº1 alínea d), do CPC ex vi artigo 1º do CPTA.No âmbito da lei processual administrativa, o artigo 9º nº1 do CPTA estabelece o princípio geral em matéria de legitimidade activa, elegendo a titularidade da respectiva relação material controvertida como critério definidor desse pressuposto processual. Mas, note-se, esta titularidade deverá ser aferida de acordo com a alegação feita pelo autor - neste nº1 do artigo 9º do CPTA, e tal como já resultava do artigo 26º nº3 do CPC [depois da reforma de 1995/1996], o legislador tomou posição expressa e inequívoca sobre a velha querela relativa ao critério de determinação da legitimidade, encarnada pelos grandes Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães [sobre a mesma pode ver-se Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, página 73, e Barbosa de Magalhães, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2º, nº1 e nº2, páginas 164 e seguintes].O artigo 9º nº1 do CPTA [e seu nº2] retoma, pois, no essencial, o que já resultava dos artigos 26º e 26º-A do CPC, se bem que a dita regra geral se mostre menos ampla que a sua correspondente do nº1 desse artigo 26º, no qual o legislador elege como primeiro critério de legitimação o interesse processual [interesse em demandar contraposto ao interesse em contradizer] e a titularidade da relação jurídica controvertida como critério supletivo [artigo 26º nº3 do CPC]. Todavia, como sublinha a doutrina, esta aparente discrepância na formulação normativa não representa uma alteração substancial ao nível da proposição jurídica. A legitimidade activa, na lei processual administrativa, é determinada pela regulamentação particular que se encontra definida para cada um dos meios processuais considerados, e o princípio geral consignado no nº1 do artigo 9º, paralelamente ao previsto na correspondente norma do CPC, surge como um denominador comum que opera em todos os casos em que a disposição especial é omissa ou inconsequente […] – ver Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, página 65.É assim que o princípio geral consagrado no artigo 9º nº1 do CPTA é objecto de expressa ressalva quanto ao regime específico em matéria de acção administrativa especial, quer no que respeita à impugnação de actos administrativos [artigo 55º do CPTA], quer em relação à condenação à prática de acto legalmente devido [artigo 68º do CPTA]. Deste modo, para um juízo positivo sobre a legitimidade activa, é suficiente que o autor da acção especial impugnatória alegue, de modo fundamentado, ser titular de interesse legítimo, directo e pessoal na impugnação de determinado acto administrativo, mormente por ter sido lesado por esse acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos [artigo 55º nº1 alínea a) CPTA], e que o autor da acção especial de condenação à prática de acto legalmente devido alegue, de um modo fundamentado, ser titular de direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão desse acto.Como vem sendo entendido, o interesse será legítimo quando é protegido pela ordem jurídica, será directo quando tem repercussão imediata no interessado, e será pessoal se a repercussão da anulação do acto se projecta na sua própria esfera jurídica [ver, entre muitos outros, AC STA de 13.01.2000, Rº45452, AC STA de 29.02.2000, Rº37531, AC STA de 04.07.2000, Rº41634, AC STA/Pleno de 12.04.2005, Rº035752].Vejamos, agora, o presente caso. Cremos ser claro que, no presente caso, a autora desta acção administrativa especial a configurou como meramente impugnatória, dado que se limita a pedir que o tribunal declare nulo ou inexistente, ou anule, o despacho de 31.12.2008 da DGSP que reclassificou trinta e sete funcionários colegas seus.Segundo insiste, assiste-lhe um interesse directo e pessoal em impugnar esse despacho [que objectivamente nada tem a ver consigo] porque com a sua anulação, nulidade ou declaração de inexistência pode ver alterada a sua classificação profissional, pois é facto notório que a sua não reclassificação a lesa quer na progressão na carreira como economicamente [pois ganha substancialmente menos que os colegas que foram reclassificados] – ver conclusões 3ª e 4ª.Ora esta lesão directa, e pessoal da esfera jurídica da recorrente, quer a nível de progressão na carreira quer a nível económico [isto para continuar a usar a distinção por ela efectuada] deriva do acto de 30.04.2008 que lhe indeferiu o pedido de reclassificação de 15.10.07, e não do acto que procedeu à reclassificação dos seus colegas, datado de 31.12.2008.Na verdade, a eventual declaração de nulidade deste último, ou a sua anulação, em nada interferirá com a recorrente, que por via disso não verá melhorado seu estatuto profissional. Ao contrário do que aconteceria com o êxito de uma acção de condenação à prática de acto devido na sequência do indeferimento de 30.04.2008.Assim, e embora possa não ter perfeita consciência disso, cremos que o único proveito que a recorrente retiraria da procedência desta acção seria apenas de ordem moral, ou seja, manter os seus colegas numa situação semelhante à sua. Mas este conforto moral, a existir, não tem relevância jurídica para efeitos de legitimidade activa.Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso jurisdicional, e ser mantida a decisão judicial recorrida, por estar correcta.DecisãoNestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência, negar provimento ao recurso jurisdicional, e manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente – artigos 446º, 447º, 447º-C e 447º-D, todos do CPC, 189º do CPTA, 1º, 2º, 3º nº1, 6º nº2, 7º nº2, 12º nº2, 13º nº1 e 29º nº2, todos do RCP, bem como Tabela I-B a ele Anexa.D.N.
Porto, 17 de Junho de 2010
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
NOTA:
O interesse é pessoal quando o efeito jurídico se reflete na esfera jurídica do autor. - Protege o facto de ninguém poder intervir na esfera jurídica de outrém.
O interesse é directo quando a decisão se basta a si própria, ou seja, quando aquela decisão é bastante para o acto que o autor pretende.

sábado, 30 de outubro de 2010

No princípio era o Caos e agora é…………………….

Antes de tudo vamos fazer uma pequena referência histórica, pois será o cerne do nascimento dos modelos de contencioso que hoje existem: o modelo Francês e o modelo Anglo-Saxónico.
Como tal não podemos deixar de fazer referência a Montesquieu, pois segundo ele, a forma de Governo ideal era a monarquia, mas não uma monarquia absoluta, Montesquieu era um liberal e, por conseguinte, não era favorável à monarquia absoluta. O que ele defendia e preconizava era uma monarquia limitada. E apontava, sobretudo três limitações importantes.
Em primeiro lugar, a limitação pelo Direito: faz parte da própria natureza do Governo monárquico ser subordinado à lei: quando não, era um Governo despótico.
Em segundo lugar, a limitação pelo pluralismo político-administrativo: aqui Montesquieu elabora a teoria dos poderes intermédios ou dos corpos intermédios.
Em terceiro lugar, surge-nos o limite que tornou Montesquieu famoso e conhecido: o princípio da separação de poderes.
Ora este princípio parte desta ideia simples, mas basilar: é necessário garantir a todos os homens a liberdade individual. Ora, a liberdade foi, para ele, o direito de fazer tudo aquilo que as leis permitem, e o direito de não fazer nada que as leis não imponham. Mas para que o Governo assegure e respeite a liberdade dos indivíduos, é necessário não apenas que o poder político esteja limitado pelo Direito e pela autonomia dos corpos intermédios, mas que ele próprio – o poder político – esteja repartido entre diferentes órgãos do Estado.
Ora a ideia central do princípio de separação dos poderes é que os mesmos estejam separados para que se impeçam uns aos outros de provocar abusos que prejudiquem os cidadãos. O modelo de Montesquieu, tal como o fora o de Locke, é o de Inglaterra, o da monarquia parlamentar inglesa.
É à luz destes princípios que ele vai apresentar a sua classificação dos poderes do Estado: o poder legislativo, o poder executivo e o poder judicial. Diz ele que, para que num Estado haja liberdade política, é preciso que os três poderes não estejam reunidos nas mesmas mãos (entenda-se, não estejam todos nas mãos do Rei), antes se repartam por órgãos diferentes (entenda-se: que o poder legislativo seja entregue a um parlamento, que o poder executivo seja entregue ao Rei e ao seu governo, e que o poder judicial seja entregue aos tribunais.
E como o próprio refere: “ também não existe liberdade, se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do executivo. Se ele estiver junto ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário; pois o juiz seria legislador. Se ele estivesse junto ao poder executivo o Juiz poderia ter a força de um opressor.”
A separação de poderes é, pois, necessária como garantia da liberdade individual: pois cada um dos poderes do Estado desempenhará a sua função, mas não mais do que isso, e ao mesmo tempo impedirá os outros de exorbitarem da própria função.
Isto leva Montesquieu a dizer outra coisa muito importante: é que em cada poder do Estado estão contidas duas faculdades – a de estatuir e a de impedir (faculté de statuer et faculté d`empêcher). Isto significa que cada poder do Estado deve ter não apenas a possibilidade de tomar decisões sobre a sua esfera própria de competência, mas também a possibilidade de travar certas decisões dos outros poderes do Estado, de modo a que exista um sistema de controlos recíprocos “checks and balances” que impeçam qualquer dos poderes de assumir a totalidade do poder e, portanto, de abusar dele.
Esta doutrina teve a maior influência, sobretudo nos Estados Unidos da América. É curioso que, tendo Montesquieu concebido esta construção de acordo com o modelo inglês, ela não retratava fielmente esse modelo, mas acabou por ser a origem do modelo americano.

O modelo inglês, em rigor, não é de separação de poderes: melhor se diria de colaboração de poderes, na medida em que há um partido maioritário no parlamento, de onde emana o governo e, como o governo é chefiado pelo líder do partido maioritário, a maioria parlamentar apoia o governo e segue-o, havendo, portanto, uma colaboração harmónica entre governo e parlamento: não há em rigor uma separação.

Falemos agora na idade contemporânea.
O constitucionalismo Liberal que se inicia com a Revolução Americana e a Revolução francesa:
- Os traços essenciais do constitucionalismo liberal são, por um lado, no plano político, a abolição do absolutismo real, a proclamação dos Direitos do Homem, o aparecimento das Constituições escritas, a adopção da República como forma política, o inicio do parlamentarismo, e o aparecimento dos primeiros partidos políticos propriamente ditos.

O primeiro momento do constitucionalismo liberal que importa fazer referência é a Revolução Americana, que culmina com a assinatura da Declaração da Independência, “(…) E sempre que qualquer forma de governo vier a destruir estes fins, o povo tem direito de a modificar, ou de a abolir, e de instituir um novo governo, que será fundado sobre aqueles princípios e cujos poderes serão organizados por aquelas formas que lhe parecerem mais adequadas a garantir a sua segurança e a sua felicidade”
Esta era a consagração de todos os princípios fundamentais do liberalismo.
Importa dizer que a Revolução Americana exerceu grande influência na Revolução Francesa. E também não podemos esquecer que para a eclosão da Revolução Francesa contribuem, como causa intelectual, precisamente os mesmos autores iluministas que exerceram a sua influência na América, entre eles o supra referido Montesquieu.
È o final do “ancien regime ”, e com ele todo o despotismo e arbítrio que o caracterizava, procurando a todo o custo impor a ideologia liberal que preconizava, levou o princípio da Separação de Poderes ao extremo de deturpar o seu significado.
Essa preocupação de fazer valer a Separação de Poderes até às últimas consequências, reflectiu-se na concepção de que a Administração não poderia estar sujeita à jurisdição dos tribunais judiciais porque: “ Julgar a Administração é ainda administrar”, esta era a concepção de alguns dos magistrados da época liberal, como Thouret ou Ricard de Nimes, que curiosamente tinham transitado do Antigo Regime.”
Com a Revolução Francesa e com a Declaração dos Direitos Homem e do Cidadão (1789), o contencioso administrativo passou a ter os moldes que até hoje se apresentam.
A ideia de império da legalidade de Rousseau levou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, no seu artigo 15, instituir que a sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público de sua administração.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão influenciada, ideologicamente por Rosseau no que se pode chamar de primado do princípio da legalidade, porquanto "um povo livre obedece, mas não serve; tem chefes, mas não donos; obedeces às Leis, mas nada mais que as Leis e é por força das Leis que não obedece aos homens" (Rousseau, 2002, p. 15). É a partir disso, define a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu artigo 5º, que "tudo que não está proibido pela Lei não pode ser impedido e ninguém pode ser obrigado a fazer o que a lei não ordena".
Após o libelo inicial, cumpre uma passagem pelos modelos de Contencioso Administrativo que seguem…
A França optou por aderir à ideia de uma tripartição total dos poderes. Admitiu-se a tripartição como uma criação de três funções. Não haveria monopólio da função jurisdicional pelo Poder Judiciário. O controlo dos actos da administração seria, portanto, realizado a partir da criação de uma jurisdição própria e específica para discutir e analisar a legalidade dos actos administrativos. E foi, com base em todas essas influências históricas e ideológicas que, na Assembleia Constituinte de 1790, se formulou o conceito de Direito Administrativo na França:
"As funções judiciais são e permanecerão separadas das funções administrativas. Os juízes não poderão, sob pena de prevaricação, interferir, de qualquer maneira que seja nas operações dos órgãos administrativos nem chamar a sua presença os administradores, em razão de suas funções."
Ainda na discussão relativa à competência jurisdicional administrativa, tentou-se diferenciar os actos de governo dos actos de gestão, sendo que esses seriam da competência do Poder Judiciário. Pela total incerteza e fluidez dos conceitos, surgiu então a ideia de que incumbiria ao Conselho de Estado processar e julgar as causas relativas à noção de serviço público, entendido como aqueles que cumpririam as missões do Estado. É por isso que entes privados em exercício de função delegada do Estado respondem perante a justiça administrativa. É dizer; Se a discussão envolver a aplicação de regime jurídico de direito público (rectius direito administrativo) a competência para processar e julgar o litígio será de um dos órgãos integrantes da justiça administrativa.
O acesso ao contencioso administrativo ocorria e continua a ocorrer, basicamente, sob duas formas: o contencioso ou recurso de jurisdição plena (recours de pleine juridiction) e o contencioso de anulação ou recurso por excesso de poder (recours pour excès de pouvoir

Feita esta introdução cumpre referir que o Contencioso Administrativo Françês é composto, basicamente, por três instâncias diferenciadas.
Os Tribunais Administrativos, criados em 1953, são os órgãos competentes para julgar todos os litígios em que a administração figura como parte, salvo raras excepções. Sendo a competência definida pelo critério territorial. São, ao todo 35 Tribunais Administrativos sendo que os seus integrantes são denominados de conselheiros.
As Cortes Administrativas de Apelação, 5 (cinco) ao todo, foram criadas em 1987 com o objectivo de concentrar a maior parte dos recursos e decisões oriundas dos Tribunais Administrativos.
Por fim, ao Conselho de Estado, o órgão máximo da Jurisdição Administrativa, mantendo a função consultiva que possui desde sua criação.
O Conseil d´État é regido pelo decreto de 31 de Julho de 1945. Formalmente é presidido pelo Chefe de Governo francês, no caso, o primeiro-ministro. Com cerca de 300 (trezentos) membros, divididos em três categorias de acordo com a experiência ou indicações, o Conselho de Estado é dividido em secções administrativas (Obras públicas, finanças, social e interior) e em secções especializadas. A essas secções incumbe a função consultiva do Conselho. A função contenciosa é subdivida por 10 (dez) secções, por seu turno.
Após as reformas de 1953 e 1987 a função contenciosa originária do Conselho foi reduzida a questões específicas envolvendo situações consideradas de extrema importância ou envolvendo autoridades de auto-escalão.
Tem, hoje em dia, a função de órgão-maior do contencioso administrativo francês, responsável pela inspecção dos órgãos inferiores e também pelas decisões de maior importância na área administrativa.
Existe ainda um Tribunal de Conflitos criado com a função de delimitar e fiscalizar o âmbito de actuação e competências entre a Justiça Administrativa e a Justiça Comum. A composição do Tribunal é de três conselheiros do Conselho de Estado e três conselheiros da Corte de Cassação (órgão máximo da jurisdição não administrativa) que, por sua vez, elegem mais dois conselheiros. A presidência incumbe ao Ministro da Justiça.

Por sua vez o sistema anglo-saxónico a ideia de Estado tal como nós a concebemos não existe, podendo quanto muito, ter algumas similitudes com o conceito de Coroa, como refere a expressão de Allen: “ The state is the crown”.
Desde muito cedo que “a Coroa” está submetida ao poder jurisdicional dos tribunais comuns e vinculada ao cumprimento das suas funções tendo como limite o respeito pelos direitos dos particulares.

A influencia histórica do sistema obriga uma passagem pela Magna Charta (1215) ou a Bill Of Rights (1689), entre outros pontos importante da história que foram submetendo o Rei e a Administração à jurisdição comum, sendo-lhe aplicável a “common law of the land”.
No sistema anglo-saxónico, não estavam de facto presentes alguns dos aspectos que permitiam caracterizar a Administração de tipo continental como “autoritária”.Forte indicador dessa afirmação é que a Administração Pública não gozava do benefício da execução prévia das suas decisões por autoridade própria, como acontecia no sistema francês, devendo as suas decisões ser mandadas executar por uma sentença de tribunal comum.
Os particulares que vejam os seus direitos violados pela Administração, poderão recorrer a um tribunal superior no sentido da Administração praticar ou abster-se de praticar o acto lesivo dos direitos reclamados.
Nesse sentido o sistema Anglo-saxónico manifestou-se opositor do modelo Administrativo Francês.
A Administração Britânica ficou sujeita ao controlo jurisdicional dos tribunais comuns, courts of law, ao contrário do modelo Francês, que ainda nos dias de hoje se caracteriza por ter tribunais administrativos, para que sejam resolvidos os litígios entre particulares e a Administração pública.



O Modelo de Administração Espanhol,
O contencioso Administrativo Espanhol nasce em 1845, influenciado pelos traços advindos das revoluções liberais francesas.
È caracterizado inicialmente por um sistema de Justiça reservada, em que cabia aos órgãos do contencioso (os Conselhos Provinciais e o Conselho de Estado) a emissão de simples pareceres, sujeitos a homologação do executivo.
Em 1888, com a reforma chamada “Ley Santamaría de Paredes”, os “pareceres” desses órgãos passam a “decisões”, sendo instaurado o sistema de justiça delegada.
Ponto determinante na história do contencioso de “nostros hermanos” a Lei de 27 de Dezembro de 1956, que marcou as características que o Direito Contencioso Administrativo Espanhol tem hoje. Os tribunais administrativos são tribunais especializados dentro do sistema/poder judicial.
Com a Constituição de 1978 é garantida a tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, justificados pelo Estado de Direito Democrático. No horizonte adivinha-se a submissão da Administração Pública à Lei e ao Direito, verifica-se através do correlativo controlo jurisdicional.
Por exigência da União Europeia, dando mais abertura para apreciar qualquer comportamento ilícito da Administração Pública surge a a Lei 29/1998 de 13 de Julho (“Ley Reguladora de la Jurisdicción Contencioso-Administrativa”), no sentido de realizara a nova Constituição é mantido o carácter de julgamento entre as partes e da segurança individual e controle da submissão da administração ao direito
A Lei de 1998 permite quatro meios processuais de plena jurisdição:
O Tradicional, dirigido contra actos administrativos;
O que versa sobre a legalidade de actos normativos (tem por objecto a impugnação directa ou indirecta de disposições de carácter geral);
O recurso contra a inactividade da Administração e aquele que se interpõe contra actuações materiais constitutivas de facto.

São estabelecidos, dois modelos de sistemas distintos de tutela cautelar:
As medidas cautelares de regime comum, quando o objecto do recurso é um acto administrativo ou um regulamento;
As medidas cautelares de regime especial, previstas para as omissões administrativas e a vias de facto.

Em conclusão o actual Contencioso Administrativo Espanhol revela os efeitos de uma europeização da Justiça protectora dos direitos dos particulares.






Sílvia Boto – 17653
Abímal de Almeida - 17605

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Mais tarefas

Aqui segue a indicação de mais tarefas:

1- Aprecie o modo como a legitinidade é tratada no âmbito do presente Código e como o era no passado. Quais as semelhanças e diferenças?
2- Quais as vantagens e inconvenientes de adoptar uma teoria unificada de direitos subjectivos públicos ou de adoptar antes um entendimento tripartido (direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos)?
Bom trabalho.

Vasco Pereira da Silva

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Modelos Administrativos: Sistema Inglês VS Sistema Francês

Tanto o sistema britânico como o francês, surgiram do denominado sistema administrativo tradicional que se caracterizava pela inexistência de separação de poderes, pela falta de garantias dos particulares face à Administração.

Em Inglaterra, no ano de 1688, este panorama administrativo viria ser alterado pela Grande Revolução e passaria a ser conhecido como um sistema de administração judiciária, isto porque, por um lado implementou-se a separação de poderes através da proibição da intervenção directa do Rei nas questões de natureza contenciosa, com o surgimento do Estado de Direito através da consagração dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos no «Bill of Rights» (1689) e da aplicação da regra da lei comum aplicável a todos os cidadãos, sem excepção (rule of law).

A Administração encontrava-se sujeita aos tribunais comuns, isto devido á anterior regra do direito comum igual para todos os cidadãos, não existindo por isso necessidade de quaisquer tribunais especiais, existindo, consequentemente, uma subordinação da Administração ao direito comum, onde não existiam, por via de regra, privilégios ou prerrogativas de autoridade pública. o poder no sistema britânico era descentralizado, pois as autarquias locais gozavam de ampla autonomia face a uma intervenção central diminuta.

no entanto, após tudo o ficou dito, a grande diferença entre estes dois sistemas consiste no facto de no sistema administrativo de tipo britânico a Administração Pública não poder executar as suas decisões por autoridade própria, ou seja, não possuí poder coactivo face ás suas decisões perante os particulares ao passo que no sistema francês existe o privilégio da execução prévia, que é a característica mais marcante deste sistema, que permite à Administração executar as suas decisões por autoridade própria, empregando, se necessário for, meios coactivos.

No sistema britânico os particulares possuíam um leque de garantias jurídicas superior àquelas que existiam no sistema francês, os tribunais comuns gozam de plena jurisdição face á Administração Pública, e é nesta característica que se retira a essência do sistema britânico: papel preponderante exercido pelos tribunais.

o sistema britânico ou de administração judiciária vigora na generalidade dos países anglo-saxónicos (ex: EUA, países da América Latina).

Quanto ao sistema francês, ou de administração executiva, algumas das suas principais características já foram acima expostas, mas outras serão agora explanadas. Ao contrário do sistema britânico, no sistema francês a grande mudança para um sistema administrativo moderno, deu-se um pouco mais tarde, em 1789 com a Revolução Francesa, onde ficou desde logo assente a separação dos poderes, nomeadamente através da criação de tribunais administrativos (1799) de forma a impedir a intervenção do poder judicial no funcionamento da Administração Pública e vice versa, com esta finalidade surgiu em 1790 e 1795 a lei que proibia os juízes de conhecerem de litígios contra as autoridades administrativas. Por outro lado, como já ficou anteriormente exposto, confere-se á Administração o privilégio da execução prévia e a subordinação da Administração ao direito administrativo, ao invés do direito comum como acontecia em Inglaterra, visto que tendo a Administração de prosseguir o interesse público, satisfazendo as necessidades colectivas, há-de poder sobrepor-se aos interesses particulares que se oponham à realização do interesse geral.

por oposição ao sistema britânico, o sistema francês é um sistema centralizado pois o território divide-se em diversos "départements" e os próprios municípios perdem autonomia administrativa e financeira; as autoridades locais embora com personalidade jurídica própria, não passam de instrumentos administrativos do poder central.

As garantias jurídicas dos particulares face à Administração são menores do que no sistema britânico pois sendo os tribunais independentes perante a Administração, esta também é independente perante aqueles, isto significa que na maioria dos casos, estando em causa uma decisão unilateral tomada no exercício de poderes de autoridade, o tribunal administrativo só pode anular o acto praticado se ele for ilegal, não pode declara as consequências dessa anulação, nem proibir a Administração de proceder de determinada maneira, nem condená-la a tomar certa decisão ou a adoptar certo comportamento.

este sistema de tipo francês vigora hoje em dia em quase todos os países continentais da Europa Ocidental incluindo Portugal (1832).

Na actualidade:

ao longo do séc.XX, alguma doutrina acredita que surgiram determinadas alterações que vieram provocar uma aproximação entre os dois sistemas, nomeadamente devido à maior centralização administrativa no sistema britânico que se contrapõe á perda do carácter de total centralização na administração francesa; no direito regulador surgiram em Inglaterra inúmeras leis administrativas, enquanto em França se teve que passar a actuar em diversos domínios sob a égide do direito privado e surgiu em Inglaterra uma espécie de tribunais administrativos com um poder de execução limitado mas existente, enquanto que em França muitas das decisões da Administração só vêm ser executadas se um tribunal administrativo, a pedido de um particular interessado a tal se opuser.

Numa perspectiva mais «psicanalítica» do tema, o Prof. Vasco Pereira da Silva, define o sistema francês como sendo o sistema com a infância mais traumática e onde se inicia a promiscuidade entre Administração e Justiça, isto porque com a Revolução Francesa se concedeu um “privilégio de foro” á Administração, destinado a garantir a defesa dos poderes públicos e não a assegurar a protecção dos direitos dos particulares, um caso que marcou com grande ênfase este “trauma” do direito administrativo francês foi sem dúvida o caso de Agnés Blanco, um caso em que se nenhum tribunal se considerava competente para legislar, sendo que foi então criado um direito especial da Administração de modo a que uma criança de cinco anos acabou por ver os seus direitos relegados em prol da administração. A grande característica deste modelo de direito Administrativo é a promiscuidade entre Administração e Justiça pois que ao invés daquilo que se proclamou com a Revolução, (separação de poderes) o que na realidade veio a suceder foi que se gerou uma “confusão” entre o poder administrativo e judicial em que o juiz era administrador, e o administrador era juiz, porque acreditava-se que julgar a Administração era ainda administrar e não julgar.

Por seu turno em Inglaterra tudo se passa sem “traumas de nascimento ou infância” pois os poderes encontravam-se devidamente separados, limitando-se uns aos outros sem no entanto intervirem directamente nas suas esferas. Os traumas começam a surgir numa fase em que nos restantes países da Europa, nomeadamente em França, se começavam a ultrapassar os trumas da infância difícil, na designada fase do «Baptismo» com o surgimento do Estado Social. Inicialmente, em Inglaterra, p direito administrativo era julgado nos tribunais comuns por não se entender que fosse um tipo de direito especial ao ponto de deter tribunais próprios, no entanto criaram-se os “órgãos administrativos especiais” a quem são atribuídas tarefas não só administrativas como judiciais, o que vai colocar em causa tudo o que se fizera de bem até então. Não sofrendo do “pecado original”o direito administrativo inglês vem a sofrer de uma “delinquência senil precoce”. A introdução do Direito Administrativo, no Reino Unido, no séc.XX vai conduzir assim a uma relativa “confusão” das funções estaduais, nomeadamente nas relações entre Administração e Justiça que se vai manifestar em termos contenciosos, não pele criação de tribunais especiais dependentes da Administração (como aconteceu no sistema francês) mas na imbricação quase indiferenciada de garantias administrativas e judiciais, dando origem a uma noção ampla de Contencioso Administrativo que envolve a intervenção conjugada de “órgãos administrativos especiais” com tribunais.

Em conclusão, embora tenha ocorrido uma certa aproximação entre os dois sistemas, existem diferenças nítidas, nomeadamente no facto dos tribunais a cuja fiscalização é submetida a Administração Pública - na Inglaterra nos tribunais comuns, em França nos tribunais administrativos. Ali unidade de jurisdição, aqui dualidade de jurisdição.

Leila Sargento nº16721

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Primeiras tarefas

Caros colegas,

No blog inicialmente feito para a turma do 4º ano foram publicadas as primeiras tarefas.
Deixo-vos o texto do Professor.

"Meus Caros Estudantes

Para "provocar" a vossa intervenção no blogue (a qual, como sabem, tanto pode ser "voluntária", sobre qualquer tema de Processo Administrativo, como "provocada" pelos docentes da cadeira), aqui seguem as nossas primeiras tarefas:
1- Escolha um qualquer país (distinto do nosso) e analise a respectiva evolução do processo administrativo (tendo em conta o faseamento e a lógica apontada em «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise»);
2- Analise a evolução histórica dos modelos francês e anglo-saxónico da Justiça Administrativa e indique as semelhanças e diferenças existentes na actualidade.

Vasco Pereira da Silva"


Cumprimentos e bons estudos.

Liliana Martins