quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Modelos Administrativos: Sistema Inglês VS Sistema Francês

Tanto o sistema britânico como o francês, surgiram do denominado sistema administrativo tradicional que se caracterizava pela inexistência de separação de poderes, pela falta de garantias dos particulares face à Administração.

Em Inglaterra, no ano de 1688, este panorama administrativo viria ser alterado pela Grande Revolução e passaria a ser conhecido como um sistema de administração judiciária, isto porque, por um lado implementou-se a separação de poderes através da proibição da intervenção directa do Rei nas questões de natureza contenciosa, com o surgimento do Estado de Direito através da consagração dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos no «Bill of Rights» (1689) e da aplicação da regra da lei comum aplicável a todos os cidadãos, sem excepção (rule of law).

A Administração encontrava-se sujeita aos tribunais comuns, isto devido á anterior regra do direito comum igual para todos os cidadãos, não existindo por isso necessidade de quaisquer tribunais especiais, existindo, consequentemente, uma subordinação da Administração ao direito comum, onde não existiam, por via de regra, privilégios ou prerrogativas de autoridade pública. o poder no sistema britânico era descentralizado, pois as autarquias locais gozavam de ampla autonomia face a uma intervenção central diminuta.

no entanto, após tudo o ficou dito, a grande diferença entre estes dois sistemas consiste no facto de no sistema administrativo de tipo britânico a Administração Pública não poder executar as suas decisões por autoridade própria, ou seja, não possuí poder coactivo face ás suas decisões perante os particulares ao passo que no sistema francês existe o privilégio da execução prévia, que é a característica mais marcante deste sistema, que permite à Administração executar as suas decisões por autoridade própria, empregando, se necessário for, meios coactivos.

No sistema britânico os particulares possuíam um leque de garantias jurídicas superior àquelas que existiam no sistema francês, os tribunais comuns gozam de plena jurisdição face á Administração Pública, e é nesta característica que se retira a essência do sistema britânico: papel preponderante exercido pelos tribunais.

o sistema britânico ou de administração judiciária vigora na generalidade dos países anglo-saxónicos (ex: EUA, países da América Latina).

Quanto ao sistema francês, ou de administração executiva, algumas das suas principais características já foram acima expostas, mas outras serão agora explanadas. Ao contrário do sistema britânico, no sistema francês a grande mudança para um sistema administrativo moderno, deu-se um pouco mais tarde, em 1789 com a Revolução Francesa, onde ficou desde logo assente a separação dos poderes, nomeadamente através da criação de tribunais administrativos (1799) de forma a impedir a intervenção do poder judicial no funcionamento da Administração Pública e vice versa, com esta finalidade surgiu em 1790 e 1795 a lei que proibia os juízes de conhecerem de litígios contra as autoridades administrativas. Por outro lado, como já ficou anteriormente exposto, confere-se á Administração o privilégio da execução prévia e a subordinação da Administração ao direito administrativo, ao invés do direito comum como acontecia em Inglaterra, visto que tendo a Administração de prosseguir o interesse público, satisfazendo as necessidades colectivas, há-de poder sobrepor-se aos interesses particulares que se oponham à realização do interesse geral.

por oposição ao sistema britânico, o sistema francês é um sistema centralizado pois o território divide-se em diversos "départements" e os próprios municípios perdem autonomia administrativa e financeira; as autoridades locais embora com personalidade jurídica própria, não passam de instrumentos administrativos do poder central.

As garantias jurídicas dos particulares face à Administração são menores do que no sistema britânico pois sendo os tribunais independentes perante a Administração, esta também é independente perante aqueles, isto significa que na maioria dos casos, estando em causa uma decisão unilateral tomada no exercício de poderes de autoridade, o tribunal administrativo só pode anular o acto praticado se ele for ilegal, não pode declara as consequências dessa anulação, nem proibir a Administração de proceder de determinada maneira, nem condená-la a tomar certa decisão ou a adoptar certo comportamento.

este sistema de tipo francês vigora hoje em dia em quase todos os países continentais da Europa Ocidental incluindo Portugal (1832).

Na actualidade:

ao longo do séc.XX, alguma doutrina acredita que surgiram determinadas alterações que vieram provocar uma aproximação entre os dois sistemas, nomeadamente devido à maior centralização administrativa no sistema britânico que se contrapõe á perda do carácter de total centralização na administração francesa; no direito regulador surgiram em Inglaterra inúmeras leis administrativas, enquanto em França se teve que passar a actuar em diversos domínios sob a égide do direito privado e surgiu em Inglaterra uma espécie de tribunais administrativos com um poder de execução limitado mas existente, enquanto que em França muitas das decisões da Administração só vêm ser executadas se um tribunal administrativo, a pedido de um particular interessado a tal se opuser.

Numa perspectiva mais «psicanalítica» do tema, o Prof. Vasco Pereira da Silva, define o sistema francês como sendo o sistema com a infância mais traumática e onde se inicia a promiscuidade entre Administração e Justiça, isto porque com a Revolução Francesa se concedeu um “privilégio de foro” á Administração, destinado a garantir a defesa dos poderes públicos e não a assegurar a protecção dos direitos dos particulares, um caso que marcou com grande ênfase este “trauma” do direito administrativo francês foi sem dúvida o caso de Agnés Blanco, um caso em que se nenhum tribunal se considerava competente para legislar, sendo que foi então criado um direito especial da Administração de modo a que uma criança de cinco anos acabou por ver os seus direitos relegados em prol da administração. A grande característica deste modelo de direito Administrativo é a promiscuidade entre Administração e Justiça pois que ao invés daquilo que se proclamou com a Revolução, (separação de poderes) o que na realidade veio a suceder foi que se gerou uma “confusão” entre o poder administrativo e judicial em que o juiz era administrador, e o administrador era juiz, porque acreditava-se que julgar a Administração era ainda administrar e não julgar.

Por seu turno em Inglaterra tudo se passa sem “traumas de nascimento ou infância” pois os poderes encontravam-se devidamente separados, limitando-se uns aos outros sem no entanto intervirem directamente nas suas esferas. Os traumas começam a surgir numa fase em que nos restantes países da Europa, nomeadamente em França, se começavam a ultrapassar os trumas da infância difícil, na designada fase do «Baptismo» com o surgimento do Estado Social. Inicialmente, em Inglaterra, p direito administrativo era julgado nos tribunais comuns por não se entender que fosse um tipo de direito especial ao ponto de deter tribunais próprios, no entanto criaram-se os “órgãos administrativos especiais” a quem são atribuídas tarefas não só administrativas como judiciais, o que vai colocar em causa tudo o que se fizera de bem até então. Não sofrendo do “pecado original”o direito administrativo inglês vem a sofrer de uma “delinquência senil precoce”. A introdução do Direito Administrativo, no Reino Unido, no séc.XX vai conduzir assim a uma relativa “confusão” das funções estaduais, nomeadamente nas relações entre Administração e Justiça que se vai manifestar em termos contenciosos, não pele criação de tribunais especiais dependentes da Administração (como aconteceu no sistema francês) mas na imbricação quase indiferenciada de garantias administrativas e judiciais, dando origem a uma noção ampla de Contencioso Administrativo que envolve a intervenção conjugada de “órgãos administrativos especiais” com tribunais.

Em conclusão, embora tenha ocorrido uma certa aproximação entre os dois sistemas, existem diferenças nítidas, nomeadamente no facto dos tribunais a cuja fiscalização é submetida a Administração Pública - na Inglaterra nos tribunais comuns, em França nos tribunais administrativos. Ali unidade de jurisdição, aqui dualidade de jurisdição.

Leila Sargento nº16721

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