sábado, 30 de outubro de 2010

No princípio era o Caos e agora é…………………….

Antes de tudo vamos fazer uma pequena referência histórica, pois será o cerne do nascimento dos modelos de contencioso que hoje existem: o modelo Francês e o modelo Anglo-Saxónico.
Como tal não podemos deixar de fazer referência a Montesquieu, pois segundo ele, a forma de Governo ideal era a monarquia, mas não uma monarquia absoluta, Montesquieu era um liberal e, por conseguinte, não era favorável à monarquia absoluta. O que ele defendia e preconizava era uma monarquia limitada. E apontava, sobretudo três limitações importantes.
Em primeiro lugar, a limitação pelo Direito: faz parte da própria natureza do Governo monárquico ser subordinado à lei: quando não, era um Governo despótico.
Em segundo lugar, a limitação pelo pluralismo político-administrativo: aqui Montesquieu elabora a teoria dos poderes intermédios ou dos corpos intermédios.
Em terceiro lugar, surge-nos o limite que tornou Montesquieu famoso e conhecido: o princípio da separação de poderes.
Ora este princípio parte desta ideia simples, mas basilar: é necessário garantir a todos os homens a liberdade individual. Ora, a liberdade foi, para ele, o direito de fazer tudo aquilo que as leis permitem, e o direito de não fazer nada que as leis não imponham. Mas para que o Governo assegure e respeite a liberdade dos indivíduos, é necessário não apenas que o poder político esteja limitado pelo Direito e pela autonomia dos corpos intermédios, mas que ele próprio – o poder político – esteja repartido entre diferentes órgãos do Estado.
Ora a ideia central do princípio de separação dos poderes é que os mesmos estejam separados para que se impeçam uns aos outros de provocar abusos que prejudiquem os cidadãos. O modelo de Montesquieu, tal como o fora o de Locke, é o de Inglaterra, o da monarquia parlamentar inglesa.
É à luz destes princípios que ele vai apresentar a sua classificação dos poderes do Estado: o poder legislativo, o poder executivo e o poder judicial. Diz ele que, para que num Estado haja liberdade política, é preciso que os três poderes não estejam reunidos nas mesmas mãos (entenda-se, não estejam todos nas mãos do Rei), antes se repartam por órgãos diferentes (entenda-se: que o poder legislativo seja entregue a um parlamento, que o poder executivo seja entregue ao Rei e ao seu governo, e que o poder judicial seja entregue aos tribunais.
E como o próprio refere: “ também não existe liberdade, se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do executivo. Se ele estiver junto ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário; pois o juiz seria legislador. Se ele estivesse junto ao poder executivo o Juiz poderia ter a força de um opressor.”
A separação de poderes é, pois, necessária como garantia da liberdade individual: pois cada um dos poderes do Estado desempenhará a sua função, mas não mais do que isso, e ao mesmo tempo impedirá os outros de exorbitarem da própria função.
Isto leva Montesquieu a dizer outra coisa muito importante: é que em cada poder do Estado estão contidas duas faculdades – a de estatuir e a de impedir (faculté de statuer et faculté d`empêcher). Isto significa que cada poder do Estado deve ter não apenas a possibilidade de tomar decisões sobre a sua esfera própria de competência, mas também a possibilidade de travar certas decisões dos outros poderes do Estado, de modo a que exista um sistema de controlos recíprocos “checks and balances” que impeçam qualquer dos poderes de assumir a totalidade do poder e, portanto, de abusar dele.
Esta doutrina teve a maior influência, sobretudo nos Estados Unidos da América. É curioso que, tendo Montesquieu concebido esta construção de acordo com o modelo inglês, ela não retratava fielmente esse modelo, mas acabou por ser a origem do modelo americano.

O modelo inglês, em rigor, não é de separação de poderes: melhor se diria de colaboração de poderes, na medida em que há um partido maioritário no parlamento, de onde emana o governo e, como o governo é chefiado pelo líder do partido maioritário, a maioria parlamentar apoia o governo e segue-o, havendo, portanto, uma colaboração harmónica entre governo e parlamento: não há em rigor uma separação.

Falemos agora na idade contemporânea.
O constitucionalismo Liberal que se inicia com a Revolução Americana e a Revolução francesa:
- Os traços essenciais do constitucionalismo liberal são, por um lado, no plano político, a abolição do absolutismo real, a proclamação dos Direitos do Homem, o aparecimento das Constituições escritas, a adopção da República como forma política, o inicio do parlamentarismo, e o aparecimento dos primeiros partidos políticos propriamente ditos.

O primeiro momento do constitucionalismo liberal que importa fazer referência é a Revolução Americana, que culmina com a assinatura da Declaração da Independência, “(…) E sempre que qualquer forma de governo vier a destruir estes fins, o povo tem direito de a modificar, ou de a abolir, e de instituir um novo governo, que será fundado sobre aqueles princípios e cujos poderes serão organizados por aquelas formas que lhe parecerem mais adequadas a garantir a sua segurança e a sua felicidade”
Esta era a consagração de todos os princípios fundamentais do liberalismo.
Importa dizer que a Revolução Americana exerceu grande influência na Revolução Francesa. E também não podemos esquecer que para a eclosão da Revolução Francesa contribuem, como causa intelectual, precisamente os mesmos autores iluministas que exerceram a sua influência na América, entre eles o supra referido Montesquieu.
È o final do “ancien regime ”, e com ele todo o despotismo e arbítrio que o caracterizava, procurando a todo o custo impor a ideologia liberal que preconizava, levou o princípio da Separação de Poderes ao extremo de deturpar o seu significado.
Essa preocupação de fazer valer a Separação de Poderes até às últimas consequências, reflectiu-se na concepção de que a Administração não poderia estar sujeita à jurisdição dos tribunais judiciais porque: “ Julgar a Administração é ainda administrar”, esta era a concepção de alguns dos magistrados da época liberal, como Thouret ou Ricard de Nimes, que curiosamente tinham transitado do Antigo Regime.”
Com a Revolução Francesa e com a Declaração dos Direitos Homem e do Cidadão (1789), o contencioso administrativo passou a ter os moldes que até hoje se apresentam.
A ideia de império da legalidade de Rousseau levou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, no seu artigo 15, instituir que a sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público de sua administração.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão influenciada, ideologicamente por Rosseau no que se pode chamar de primado do princípio da legalidade, porquanto "um povo livre obedece, mas não serve; tem chefes, mas não donos; obedeces às Leis, mas nada mais que as Leis e é por força das Leis que não obedece aos homens" (Rousseau, 2002, p. 15). É a partir disso, define a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu artigo 5º, que "tudo que não está proibido pela Lei não pode ser impedido e ninguém pode ser obrigado a fazer o que a lei não ordena".
Após o libelo inicial, cumpre uma passagem pelos modelos de Contencioso Administrativo que seguem…
A França optou por aderir à ideia de uma tripartição total dos poderes. Admitiu-se a tripartição como uma criação de três funções. Não haveria monopólio da função jurisdicional pelo Poder Judiciário. O controlo dos actos da administração seria, portanto, realizado a partir da criação de uma jurisdição própria e específica para discutir e analisar a legalidade dos actos administrativos. E foi, com base em todas essas influências históricas e ideológicas que, na Assembleia Constituinte de 1790, se formulou o conceito de Direito Administrativo na França:
"As funções judiciais são e permanecerão separadas das funções administrativas. Os juízes não poderão, sob pena de prevaricação, interferir, de qualquer maneira que seja nas operações dos órgãos administrativos nem chamar a sua presença os administradores, em razão de suas funções."
Ainda na discussão relativa à competência jurisdicional administrativa, tentou-se diferenciar os actos de governo dos actos de gestão, sendo que esses seriam da competência do Poder Judiciário. Pela total incerteza e fluidez dos conceitos, surgiu então a ideia de que incumbiria ao Conselho de Estado processar e julgar as causas relativas à noção de serviço público, entendido como aqueles que cumpririam as missões do Estado. É por isso que entes privados em exercício de função delegada do Estado respondem perante a justiça administrativa. É dizer; Se a discussão envolver a aplicação de regime jurídico de direito público (rectius direito administrativo) a competência para processar e julgar o litígio será de um dos órgãos integrantes da justiça administrativa.
O acesso ao contencioso administrativo ocorria e continua a ocorrer, basicamente, sob duas formas: o contencioso ou recurso de jurisdição plena (recours de pleine juridiction) e o contencioso de anulação ou recurso por excesso de poder (recours pour excès de pouvoir

Feita esta introdução cumpre referir que o Contencioso Administrativo Françês é composto, basicamente, por três instâncias diferenciadas.
Os Tribunais Administrativos, criados em 1953, são os órgãos competentes para julgar todos os litígios em que a administração figura como parte, salvo raras excepções. Sendo a competência definida pelo critério territorial. São, ao todo 35 Tribunais Administrativos sendo que os seus integrantes são denominados de conselheiros.
As Cortes Administrativas de Apelação, 5 (cinco) ao todo, foram criadas em 1987 com o objectivo de concentrar a maior parte dos recursos e decisões oriundas dos Tribunais Administrativos.
Por fim, ao Conselho de Estado, o órgão máximo da Jurisdição Administrativa, mantendo a função consultiva que possui desde sua criação.
O Conseil d´État é regido pelo decreto de 31 de Julho de 1945. Formalmente é presidido pelo Chefe de Governo francês, no caso, o primeiro-ministro. Com cerca de 300 (trezentos) membros, divididos em três categorias de acordo com a experiência ou indicações, o Conselho de Estado é dividido em secções administrativas (Obras públicas, finanças, social e interior) e em secções especializadas. A essas secções incumbe a função consultiva do Conselho. A função contenciosa é subdivida por 10 (dez) secções, por seu turno.
Após as reformas de 1953 e 1987 a função contenciosa originária do Conselho foi reduzida a questões específicas envolvendo situações consideradas de extrema importância ou envolvendo autoridades de auto-escalão.
Tem, hoje em dia, a função de órgão-maior do contencioso administrativo francês, responsável pela inspecção dos órgãos inferiores e também pelas decisões de maior importância na área administrativa.
Existe ainda um Tribunal de Conflitos criado com a função de delimitar e fiscalizar o âmbito de actuação e competências entre a Justiça Administrativa e a Justiça Comum. A composição do Tribunal é de três conselheiros do Conselho de Estado e três conselheiros da Corte de Cassação (órgão máximo da jurisdição não administrativa) que, por sua vez, elegem mais dois conselheiros. A presidência incumbe ao Ministro da Justiça.

Por sua vez o sistema anglo-saxónico a ideia de Estado tal como nós a concebemos não existe, podendo quanto muito, ter algumas similitudes com o conceito de Coroa, como refere a expressão de Allen: “ The state is the crown”.
Desde muito cedo que “a Coroa” está submetida ao poder jurisdicional dos tribunais comuns e vinculada ao cumprimento das suas funções tendo como limite o respeito pelos direitos dos particulares.

A influencia histórica do sistema obriga uma passagem pela Magna Charta (1215) ou a Bill Of Rights (1689), entre outros pontos importante da história que foram submetendo o Rei e a Administração à jurisdição comum, sendo-lhe aplicável a “common law of the land”.
No sistema anglo-saxónico, não estavam de facto presentes alguns dos aspectos que permitiam caracterizar a Administração de tipo continental como “autoritária”.Forte indicador dessa afirmação é que a Administração Pública não gozava do benefício da execução prévia das suas decisões por autoridade própria, como acontecia no sistema francês, devendo as suas decisões ser mandadas executar por uma sentença de tribunal comum.
Os particulares que vejam os seus direitos violados pela Administração, poderão recorrer a um tribunal superior no sentido da Administração praticar ou abster-se de praticar o acto lesivo dos direitos reclamados.
Nesse sentido o sistema Anglo-saxónico manifestou-se opositor do modelo Administrativo Francês.
A Administração Britânica ficou sujeita ao controlo jurisdicional dos tribunais comuns, courts of law, ao contrário do modelo Francês, que ainda nos dias de hoje se caracteriza por ter tribunais administrativos, para que sejam resolvidos os litígios entre particulares e a Administração pública.



O Modelo de Administração Espanhol,
O contencioso Administrativo Espanhol nasce em 1845, influenciado pelos traços advindos das revoluções liberais francesas.
È caracterizado inicialmente por um sistema de Justiça reservada, em que cabia aos órgãos do contencioso (os Conselhos Provinciais e o Conselho de Estado) a emissão de simples pareceres, sujeitos a homologação do executivo.
Em 1888, com a reforma chamada “Ley Santamaría de Paredes”, os “pareceres” desses órgãos passam a “decisões”, sendo instaurado o sistema de justiça delegada.
Ponto determinante na história do contencioso de “nostros hermanos” a Lei de 27 de Dezembro de 1956, que marcou as características que o Direito Contencioso Administrativo Espanhol tem hoje. Os tribunais administrativos são tribunais especializados dentro do sistema/poder judicial.
Com a Constituição de 1978 é garantida a tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, justificados pelo Estado de Direito Democrático. No horizonte adivinha-se a submissão da Administração Pública à Lei e ao Direito, verifica-se através do correlativo controlo jurisdicional.
Por exigência da União Europeia, dando mais abertura para apreciar qualquer comportamento ilícito da Administração Pública surge a a Lei 29/1998 de 13 de Julho (“Ley Reguladora de la Jurisdicción Contencioso-Administrativa”), no sentido de realizara a nova Constituição é mantido o carácter de julgamento entre as partes e da segurança individual e controle da submissão da administração ao direito
A Lei de 1998 permite quatro meios processuais de plena jurisdição:
O Tradicional, dirigido contra actos administrativos;
O que versa sobre a legalidade de actos normativos (tem por objecto a impugnação directa ou indirecta de disposições de carácter geral);
O recurso contra a inactividade da Administração e aquele que se interpõe contra actuações materiais constitutivas de facto.

São estabelecidos, dois modelos de sistemas distintos de tutela cautelar:
As medidas cautelares de regime comum, quando o objecto do recurso é um acto administrativo ou um regulamento;
As medidas cautelares de regime especial, previstas para as omissões administrativas e a vias de facto.

Em conclusão o actual Contencioso Administrativo Espanhol revela os efeitos de uma europeização da Justiça protectora dos direitos dos particulares.






Sílvia Boto – 17653
Abímal de Almeida - 17605

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