segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Acórdãos TCAN
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:
00122/09.2BEMDL
Secção:
1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:
17-06-2010
Tribunal:
TAF de Mirandela
Relator:
Drº José Augusto Araújo Veloso
Descritores:
LEGITIMIDADE ACTIVA
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
INTERESSE LEGÍTIMO
Sumário:
I. Para se poder fazer um juízo positivo sobre a legitimidade activa, é suficiente que o autor da acção impugnatória alegue, de um modo fundamentado, ser titular de interesse legítimo, directo e pessoal na impugnação de determinado acto administrativo, mormente por ter sido lesado por esse acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, e que o autor da acção especial de condenação à prática de acto legalmente devido alegue, de modo fundamentado, ser titular de direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão desse acto;II. O interesse será legítimo quando é protegido pela ordem jurídica, será directo quando tem repercussão imediata no interessado, e será pessoal se a repercussão da anulação do acto se projecta na sua própria esfera jurídica;III. O interesse em ver invalidado acto que reclassificou vários colegas seus, tendo como resultado apenas que esses colegas continuem na posição em que o próprio autor se encontra, traduz-se em mero conforto moral, irrelevante para efeitos de legitimidade. ** Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:
28-04-2010
Recorrente:
C...
Recorrido 1:
Ministério da Justiça
Votação:
Unanimidade
Meio Processual:
Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
Negar provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:RelatórioC… – residente na Avenida … – interpõe recurso da decisão judicial que foi proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Mirandela – em 20.01.2010 – e que absolveu da instância o Ministério da Justiça com fundamento em ilegitimidade activa – trata-se de um saneador/sentença, que foi proferido em acção administrativa impugnatória, na qual a ora recorrente demanda o MJ pedindo ao tribunal que declare nula ou inexistente, ou anule, a reclassificação profissional de 37 funcionários do quadro de pessoal da Direcção Geral dos Serviços Prisionais com efeitos a 31.12.2008.Conclui assim as suas alegações:1- A recorrente entende que a decisão judicial recorrida erra, pois julga, incorrectamente, a autora como parte ilegítima;2- A autora tem um interesse directo e pessoal na impugnação do acto administrativo, tal como impõe o artigo 55º do CPTA;3- Tem interesse directo [actual] e pessoal porque com a anulação, nulidade ou declaração de inexistência, do acto impugnado, pode ver alterada a sua classificação profissional;4- É facto notório que a não reclassificação da autora a lesa quer na progressão na carreira quer economicamente [pois ganha substancialmente menos que os colegas que foram reclassificados];5- O tribunal a quo devia ter conhecido do mérito da causa; 6- Devia ter-se pronunciado sobre o facto de o acto administrativo impugnado padecer de vício de forma e de violação de lei [a Lei nº12-A/2008 de 27.02]; 7- Nomeadamente, porque foram reclassificados trabalhadores já depois de tal ser legalmente impossível, porque a coberto de lei revogada;8- E porque foram omitidas, ou não cumpridas, as formalidades necessárias, e legalmente impostas ao abrigo da lei actual, como sejam a criação e publicação [no serviço ou órgão competente e na página electrónica da dgsp.mj.pt] da lista nominativa;9- A autora reúne requisitos para transitar para carreira e categoria diferente nos termos do disposto nos artigos 95º a 98º da Lei nº12-A/2008 de 27.02; 10- Sendo declarado nulo, ou inexistente, ou anulado, o acto em causa, e repetido o processo, agora de forma legal, pode assim transitar, como deve, para categoria superior;11- Pelo que foram violadas ou incorrectamente aplicadas diversas normas legais, nomeadamente, entre outras, o artigo 55º do CPTA.Termina pedindo a revogação da decisão judicial recorrida, bem como o prosseguimento da acção para conhecimento do mérito do seu pedido.A entidade recorrida contra-alegou, concluindo assim:1- Não deverá merecer censura a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela;2- Com efeito, não se vislumbra em relação à autora qualquer efeito positivo decorrente da procedência da presente acção, já que, dos seus pedidos condenatórios não se lobriga, salvo melhor opinião, como poderá a mesma ser beneficiada com a procedência dos mesmos;3- Note-se que a autora se conformou com o indeferimento, por despacho da Senhora Directora-Geral dos Serviços Prisionais de 30.04.08, do pedido de reclassificação profissional anteriormente apresentado, já que não se socorreu dos meios administrativos e/ou judiciais que tinha ao seu dispor para o sindicar;4- Vindo agora, em sede de acção administrativa especial sindicar o despacho proferido pela Senhora Directora-Geral dos Serviços Prisionais de 31.12.2008, exarado na Informação n°1007/DGRH/2008, onde foi determinada a reclassificação profissional de 37 trabalhadores do então quadro de pessoal da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais;5- Sendo a autora parte ilegítima deverá ser o réu absolvido da instância. Termina pedindo o não provimento do recurso, e a manutenção do decidido pelo tribunal a quo.O Ministério Público pronunciou-se [artigo 146º nº1 do CPTA] pelo não provimento do recurso jurisdicional.De FactoSão os seguintes os factos considerados pertinentes e provados para a apreciação deste recurso jurisdicional [artigo 712º do CPC ex vi 140º do CPTA]:1- Em 21.04.2009 deu entrada no TAF de Mirandela a petição inicial desta acção, na qual a aí autora, ora recorrente, termina pedindo que seja declarado nulo, ou inexistente, ou anulado, o acto de 31.12.2008 da Directora-Geral dos Serviços Prisionais [DGSP] que procedeu à reclassificação de trinta e sete funcionários do então quadro de pessoal da DGSP [ver primeiras folhas do suporte físico do processo, e folhas 1 a 4 do PA];2- Nos artigos 16º e 17º dessa petição inicial, diz a autora, além do mais, que em 15.10.2007 voltou a insistir no seu pedido de reclassificação, e que a resposta, indeferindo esse seu pedido de reclassificação profissional, foi despachado pela DGSP em 30.04.2008, o que lhe foi notificado em 12.05.2008 [ver 5ª folha do suporte físico do processo];3- Após apresentação de contestação pelo demandado, a titular do processo judicial proferiu a seguinte decisão judicial [aqui recorrida]:[…] Da legitimidade da autora Nos termos do artigo 55º nº1 alínea a) do CPTA tem legitimidade para impugnar um acto administrativo quem alegue ser titular de interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.Ao falar em interesse pessoal a lei quer «exigir que a utilidade que o interessado pretende obter com a anulação ou a declaração de nulidade do acto impugnado seja uma utilidade pessoal, que ele reivindique para si próprio, de modo a poder afirmar-se que o impugnante é considerado parte legítima porque alega ser, ele próprio, o titular do interesse em nome do qual se move no processo. Já o carácter ‘directo’ do interesse tem que ver com a questão de saber se existe um interesse actual em pedir a anulação ou a declaração de nulidade do acto que é impugnado. Admitindo que o impugnante é efectivamente o titular do interesse, trata-se de saber se esse interesse é actual, no sentido de saber se existe uma efectiva lesão que justifique a utilização do meio impugnatório» -Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, Revista e Actualizada, páginas 37-38.No caso dos autos, a autora C… vem impugnar o acto de reclassificação profissional de 37 funcionários do então quadro de pessoal da Direcção-Geral dos Serviços Previsionais com efeitos a 31.12.2008, pedindo que seja declarado nulo ou inexistente ou subsidiariamente que seja anulado.Mas do que alega não resulta que autora retire da procedência da acção qualquer utilidade ou que esteja a ser lesada com o acto de reclassificação daqueles funcionários. É certo que a autora alega que havia requerido a sua reclassificação por reunir todos os pressupostos [15º e 16º da petição] e que tal pedido foi indeferido em 30.04.2008 pela Directora-Geral dos Serviços Prisionais [17º da petição]. Mas ter-se-á conformado com tal decisão, uma vez que não refere ter reagido contra ela, administrativa ou judicialmente.Ora, não seria a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência do despacho impugnado que iria alterar a situação da autora relativamente à reclassificação.Pelo que a autora não tem um interesse pessoal na demanda.É, assim, parte ilegítima.A ilegitimidade é uma excepção dilatória que determina a absolvição da instância do réu, e é do conhecimento oficioso [artigos 87º nº1 alínea a) e 89º nº1 alínea d) e nº2 do CPTA].Em conformidade com o exposto, julgo a autora parte ilegítima e, em consequência, absolvo o réu da instância. De DireitoI. Cumpre apreciar a questão suscitada pela recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1.II. Uma única questão é colocada neste recurso jurisdicional, e consiste em saber se assiste, ou não, legitimidade à autora da acção para impugnar o despacho de reclassificação de 37 colegas seus.O tribunal a quo entendeu que não, e assim julgou. Ela continua a defender que sim. Mas sem razão, como veremos. Enquadremos juridicamente a questão.O que se pretende saber, através do requisito da legitimidade, é a posição que devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo, para que o julgador possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa, julgando a acção procedente ou improcedente.O pressuposto processual da legitimidade é, pois, condição para obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da pretensão formulada, e assim se diferencia das chamadas condições de procedência da acção que integram os requisitos indispensáveis para que a pretensão do autor proceda. Verificada a ilegitimidade do autor, o julgador abstém-se, pois, de apreciar o mérito da sua pretensão, e absolve o réu da instância, tal como aconteceu no presente caso - artigos 89º nº1 alínea d) do CPTA, 493º nº2, 494º alínea e) e 288º nº1 alínea d), do CPC ex vi artigo 1º do CPTA.No âmbito da lei processual administrativa, o artigo 9º nº1 do CPTA estabelece o princípio geral em matéria de legitimidade activa, elegendo a titularidade da respectiva relação material controvertida como critério definidor desse pressuposto processual. Mas, note-se, esta titularidade deverá ser aferida de acordo com a alegação feita pelo autor - neste nº1 do artigo 9º do CPTA, e tal como já resultava do artigo 26º nº3 do CPC [depois da reforma de 1995/1996], o legislador tomou posição expressa e inequívoca sobre a velha querela relativa ao critério de determinação da legitimidade, encarnada pelos grandes Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães [sobre a mesma pode ver-se Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, página 73, e Barbosa de Magalhães, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2º, nº1 e nº2, páginas 164 e seguintes].O artigo 9º nº1 do CPTA [e seu nº2] retoma, pois, no essencial, o que já resultava dos artigos 26º e 26º-A do CPC, se bem que a dita regra geral se mostre menos ampla que a sua correspondente do nº1 desse artigo 26º, no qual o legislador elege como primeiro critério de legitimação o interesse processual [interesse em demandar contraposto ao interesse em contradizer] e a titularidade da relação jurídica controvertida como critério supletivo [artigo 26º nº3 do CPC]. Todavia, como sublinha a doutrina, esta aparente discrepância na formulação normativa não representa uma alteração substancial ao nível da proposição jurídica. A legitimidade activa, na lei processual administrativa, é determinada pela regulamentação particular que se encontra definida para cada um dos meios processuais considerados, e o princípio geral consignado no nº1 do artigo 9º, paralelamente ao previsto na correspondente norma do CPC, surge como um denominador comum que opera em todos os casos em que a disposição especial é omissa ou inconsequente […] – ver Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, página 65.É assim que o princípio geral consagrado no artigo 9º nº1 do CPTA é objecto de expressa ressalva quanto ao regime específico em matéria de acção administrativa especial, quer no que respeita à impugnação de actos administrativos [artigo 55º do CPTA], quer em relação à condenação à prática de acto legalmente devido [artigo 68º do CPTA]. Deste modo, para um juízo positivo sobre a legitimidade activa, é suficiente que o autor da acção especial impugnatória alegue, de modo fundamentado, ser titular de interesse legítimo, directo e pessoal na impugnação de determinado acto administrativo, mormente por ter sido lesado por esse acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos [artigo 55º nº1 alínea a) CPTA], e que o autor da acção especial de condenação à prática de acto legalmente devido alegue, de um modo fundamentado, ser titular de direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão desse acto.Como vem sendo entendido, o interesse será legítimo quando é protegido pela ordem jurídica, será directo quando tem repercussão imediata no interessado, e será pessoal se a repercussão da anulação do acto se projecta na sua própria esfera jurídica [ver, entre muitos outros, AC STA de 13.01.2000, Rº45452, AC STA de 29.02.2000, Rº37531, AC STA de 04.07.2000, Rº41634, AC STA/Pleno de 12.04.2005, Rº035752].Vejamos, agora, o presente caso. Cremos ser claro que, no presente caso, a autora desta acção administrativa especial a configurou como meramente impugnatória, dado que se limita a pedir que o tribunal declare nulo ou inexistente, ou anule, o despacho de 31.12.2008 da DGSP que reclassificou trinta e sete funcionários colegas seus.Segundo insiste, assiste-lhe um interesse directo e pessoal em impugnar esse despacho [que objectivamente nada tem a ver consigo] porque com a sua anulação, nulidade ou declaração de inexistência pode ver alterada a sua classificação profissional, pois é facto notório que a sua não reclassificação a lesa quer na progressão na carreira como economicamente [pois ganha substancialmente menos que os colegas que foram reclassificados] – ver conclusões 3ª e 4ª.Ora esta lesão directa, e pessoal da esfera jurídica da recorrente, quer a nível de progressão na carreira quer a nível económico [isto para continuar a usar a distinção por ela efectuada] deriva do acto de 30.04.2008 que lhe indeferiu o pedido de reclassificação de 15.10.07, e não do acto que procedeu à reclassificação dos seus colegas, datado de 31.12.2008.Na verdade, a eventual declaração de nulidade deste último, ou a sua anulação, em nada interferirá com a recorrente, que por via disso não verá melhorado seu estatuto profissional. Ao contrário do que aconteceria com o êxito de uma acção de condenação à prática de acto devido na sequência do indeferimento de 30.04.2008.Assim, e embora possa não ter perfeita consciência disso, cremos que o único proveito que a recorrente retiraria da procedência desta acção seria apenas de ordem moral, ou seja, manter os seus colegas numa situação semelhante à sua. Mas este conforto moral, a existir, não tem relevância jurídica para efeitos de legitimidade activa.Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso jurisdicional, e ser mantida a decisão judicial recorrida, por estar correcta.DecisãoNestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência, negar provimento ao recurso jurisdicional, e manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente – artigos 446º, 447º, 447º-C e 447º-D, todos do CPC, 189º do CPTA, 1º, 2º, 3º nº1, 6º nº2, 7º nº2, 12º nº2, 13º nº1 e 29º nº2, todos do RCP, bem como Tabela I-B a ele Anexa.D.N.
Porto, 17 de Junho de 2010
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
NOTA:
O interesse é pessoal quando o efeito jurídico se reflete na esfera jurídica do autor. - Protege o facto de ninguém poder intervir na esfera jurídica de outrém.
O interesse é directo quando a decisão se basta a si própria, ou seja, quando aquela decisão é bastante para o acto que o autor pretende.

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