terça-feira, 2 de novembro de 2010

Legitimidade e interesse processual:

Em primeiro lugar tem legitimidade para impugnar quem alegue ser titular de um interesse pessoal e directo, designadamente ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos: art.55º/1, a).

A utilização da forma “interesse directo e pessoal” aponta no sentido de que a legitimidade individual para impugnar actos administrativos não tem de basear-se na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido, mas se basta com a circunstância de o acto estar a provocar, no momento em que é impugnado, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor de modo que a anulação ou a declaração de nulidade desse acto lhe traz, pessoalmente a ele, uma vantagem directa ou imediata.

Já no que se refere aos requisitos do carácter “directo” e “pessoal”, deve quanto a nós ser estabelecida uma clara distinção entre um e outro. Na verdade, só o carácter “pessoal” do interesse verdadeiramente diz respeito ao pressuposto processual da legitimidade, na medida em que se trata de exigir que a utilidade que o interessado pretende obter com a anulação ou a declaração de nulidade do acto impugnado seja uma utilidade pessoal, que ele reivindique para si próprio, de modo a poder afirmar-se que o impugnante é considerado parte legitima porque alega ser, ele próprio, o titular do interesse em nome do qual se move no processo.

Já o carácter “directo” do interesse tem que ver com a questão de saber se existe um interesse actual em pedir a anulação ou a declaração de nulidade do acto que é impugnado. Admitindo que o impugnante é efectivamente o titular do interesse, trata-se de saber se esse interesse é actual. O requisito do carácter “directo” do interesse já não tem que ver com a legitimidade processual, mas com a questão do interesse processual em agir.

O pressuposto da legitimidade não se confunde com o do interesse processual ou interesse em agir. Com efeito, pode não haver qualquer dúvida quanto á questão de saber se quem está em juízo é parte na relação material, tal como o autor o configurou, e no entanto poder questionar-se a existência de uma necessidade efectiva de tutela judiciária e, portanto, de factos objectivos que tornem necessário o recurso á via judicial. O requisito do interesse processual sempre revelou, no contencioso administrativo, em domínios como o da impugnação de actos administrativos, designadamente para o efeito de se aferir da actualidade do interesse dos recorrentes particulares, em termos de saber se os recursos contenciosos em interpostos contra actos administrativas eficazes, que lhes infligissem lesões efectivas, que não apenas potenciais ou hipotéticas (interesse directo).

O requisito do interesse processual é, no entanto, chamado com o novo contencioso administrativo, a desempenhar um papel muito mais relevante. Vários factores concorrem nesse sentido. O mais relevante decorre do facto de o novo sistema colocar á disposição dos eventuais interessados um conjunto de novas vias de acesso á justiça administrativa que não tem carácter impugnatório e portanto, não desempenham uma função reactiva. A questão já se coloca porém, de modo diferente quando se trate de prevenir eventuais agressões futuras ou de obter pronúncias judiciais que se limitem, muito simplesmente, a dizer o Direito, no propósito de afastar equívocos e riscos só potencialmente lesivos.

A exemplo do que sucede com o CPC alemão, o CPTA não consagra, em termos gerais, o interesse em agir como um pressuposto processual, mas contém uma referência expressa a este requisito, no art.39º, a propósito das situações em que o problema reconhecidamente se coloca com maior acuidade, e que se prendem com as acções meramente declarativas ou de simples apreciação, determinadas por uma incorrecta avaliação de situação existente. Por outro lado, no art.55º/1, a), embora misturada com a questão da legitimidade, surge uma manifestação do mesmo requisito na exigência de um carácter “directo” ao interesse individual de impugnar actos administrativos. Com efeito, quando se exige que o interesse do impugnante deve ser constituído numa situação de efectiva necessidade de tutela judiciária. E o mesmo resulta do mesmo artigo quando faz, a título meramente ilustrativo, á hipótese de o impugnante “ter sido lesado pelo acto nos seus direitos e interesses”. Também neste plano se faz apelo simultâneo a duas ideias diferentes: possui legitimidade quem alegue ser titular do direito ou interesse e o seu interesse processual radica na alegação de ter sido lesado nesse seu direito ou interesse, circunstância da qual advém o interesse directo (interesse processual) em demandar. Se uma acto administrativo pode ser impugnado por alguém, ela não pode deixar, objectivamente, de ser qualificado como impugnável. A questão, que a partir daí, se há-de colocar é, pois, a de apurar, em cada caso concreto, se quem se propõe impugnar esse acto se apresenta como parte legítima e, por outro lado, como estando colocado em situação que, do ponto de vista do interesse em agir, fundamente a necessidade de recorrer á via judicial.

O art.54º é um artigo sobre o interesse processual em demandar, no caso, em impugnar actos administrativos ineficazes. A exemplo do que acontece com o art.39º, também ele tem em vista situações em que o problema da existência de um interesse em agir se coloca com acuidade, na medida em que se pode dizer que há uma presunção de que não existe interesse directo, actual em impugnar actos administrativos que ainda não produzem efeitos na ordem jurídica porque (ainda) não lesaram ninguém. Tal como nas hipóteses do art.39º, têm-se em vista no art.54º:

· Situações de lesão efectiva, resultantes de condutas ilegítimas, destituídas de fundamento jurídico, no art39º, as situações de incerteza, porventura decorrentes de afirmações ilegítimas da Administração; no art.54º/1, a), as situações de execução ilegítima do acto ineficaz.

· Situações de ameaça de lesão, resultantes do fundado receio da verificação, num futuro próximo, de circunstâncias lesivas. No art.39º, o receio da adopção de condutas lesivas sem que tenha sido já praticado um acto administrativo; no art.54º/1 b), o receio das consequências lesivas futuras que resultarão da produção de efeitos e eventual execução do acto (ainda) ineficaz.

O CPTA não exige, em termos gerais, que os actos administrativos tenham sido objecto de prévia impugnação administrativa para que possam ser objecto de impugnação contenciosa, art. 51º e 59º/4 e 5 decorre por isso a regra de que a utilização de vias de impugnação administrativa não é necessária para aceder a via contenciosa. Não é necessário para haver interesse processual no recurso á impugnação perante os tribunais administrativos que o autor demonstre ter tentado infrutiferamente obter a remoção do acto que considera ilegal por via extrajudicial.

As decisões administrativas continuam, no entanto a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isso esteja expressamente previsto na lei, em resultado de uma opção consciente e deliberada do legislador; quando este a considere justificada.

Se um interessado impugnar um acto administrativo perante os tribunais sem ter feito uso da impugnação administrativa necessária que ao caso a lei expressamente fazia corresponder, a sua pretensão deve ser rejeitada porque a lei não lhe reconhece o interesse processual que, no caso, se deveria sustentar na demonstração de ter tentado infrutiferamente obter o resultado pretendido pela via extrajudicial legalmente estabelecida. O acto em si mesmo, não mudou de natureza pelo facto de não ter sido objecto da necessária impugnação administrativa e a própria posição material do interessado em relação ao acto também não se alterou: se ele era, por hipótese, destinatário do acto, que na sua esfera jurídica projecta os seus efeitos, essa circunstância também não se alterou. O problema é exclusivamente um problema de interesse em aceder á justiça, como bem demonstra a circunstância da imposição de impugnações administrativas necessárias poder ser motivada, tal como sucede, em termos gerais, com a exigência do requisito do interesse processual, pelo duplo propósito de “evitar que as pessoas (no caso as entidades administrativas) sejam precipitadamente forçadas a vir a juízo, para organizarem, sob cominação de uma sanção grave, a defesa dos seus interesses, numa situação em que a situação da parte contrária (no caso, o impugnante) o não justifica e de “não sobrecarregar com acções desnecessárias a actividade dos tribunais, cujo tempo é escasso para acudir a todos os casos em que é realmente indispensável a intervenção jurisdicional”.

Leila Sargento nº16721

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