sexta-feira, 19 de novembro de 2010

QUAIS AS VANTAGENS DE ADOPTAR UMA TEORIA UNIFICADA DE DIREITOS SUBJECTIVOS PÚBLICOS OU DE ADOPTAR ANTES UM ENTENDIMENTO TRIPARTIDO (DIREITOS SUBJECTIVOS, INTERESSES LEGÍTIMOS E INTERESSES DIFUSOS)?

No direito público, o dever jurídico que se traduz numa posição de vantagem atribuída pela norma jurídica, não confere automaticamente a qualificação como direito subjectivo do particular, uma vez que não corresponde, em regra, a uma pretensão jurídica de um sujeito determinado.
Os interesses legítimos e os interesses difusos que normalmente incidem sobre bens ou interesses públicos - por definição, inapropriáveis e indivisíveis - demonstram uma incompatibilidade processual e substantiva genérica quanto ao exercício de uma posição individual de vantagem.

A teoria da norma de protecção (Otto Bachof), alargada ao domínio dos direitos fundamentais, hoje universalmente aceite, traduz-se na adopção da teoria unitária do direito subjectivo do particular, sempre que a norma jurídica ultrapassando a satisfação do mero interesse público, vise igualmente a protecção de interesses particulares manifestados em posições de vantagem objectivamente concedida de forma intencional ou o mero benefício de facto mas resultante de um direito fundamental.

A doutrina da norma de protecção faz depender a qualificação de direito subjectivo público da satisfação de três requisitos cumulativos: a situação de vantagem objectivamente concedida pelo direito público ter carácter vinculativo; ser decretada a favor de pessoas determinadas para a satisfação de interesses individuais e não apenas no interesse da generalidade e; por efeito da sua atribuição, os interessados poderem recorrer para os tribunais, da conduta dos órgãos administrativos.
Assim, sempre que estivermos perante benefícios dependentes de um direito fundamental ou de normas que prevejam interesses legítimos ou difusos, preenchendo estes requisitos, estamos perante um direito subjectivo, havendo lugar à instauração de recurso contencioso.

A equiparação a direitos subjectivos daquelas categorias de interesses, permitirá a aproximação em aspectos tão fundamentais do direito administrativo, quanto a possibilidade de recurso contencioso e a consequente ressarcibilidade dos danos de natureza subjectiva quando estejam em causa tais interesses.

A tutela objectiva dos direitos subjectivos públicos (art.º 9.º CPTA), para além do interesse público (acção popular e acção jurídica: art.º 9.º/2), consagra no art.º 9.º/1 e 2, a tutela de posições subjectivas (acção juridico-subjectiva) não impondo aparentemente outros limites à legitimidade processual activa individual que não seja o interesse pessoal, enquanto parte, em relação material controvertida (e directo, expressamente, no caso da acção especial: art.º 55/1/a) CPTA): caso do n.º1. No n.º 2, independente de interesse pessoal, no ambito da legitimidade colectiva própria já mencionada, em protecção igualmente de interesses legítimos ou difusos, não vigoram outros limites.

Assim, o art.º 9.º CPTA acolhe a teoria unitária do direito subjectivo, reconhecendo uma posição individual de vantagem particularmente ampla do particular, no âmbito do contencioso administrativo.

Entre direitos subjectivos e interesses legítimos ou difusos, a diferença é de grau, não de substancia. A justiça administrativa tende a unificar aqueles direitos e interesses, com base na existência de normas igualmente imperativas, protectoras de direitos e interesses dos particulares e que permitem reacção jurisdicional. A diferença estará na amplitude do conteúdo. O interesse legítimo obriga ao reconhecimento da existência do direito e não ao seu conteúdo material. Esse decorre do direito subjectivo.
Vasco P. Silva defende que todas as posições substantivas de vantagem dos privados perante a Administração devem ser entendidas como direitos subjectivos. Situa a origem “difícil” dos interesses, no período da administração liberal e distingue o modelo português do modelo italiano de onde importámos o entendimento tripartido e designadamente os interesses difusos. Em Itália, a distinção levou a uma efectiva separação de jurisdições, enquanto que em Portugal a distinção foi sempre essencialmente uma questão instrumental e doutrinária.

A distinção é efectivamente de ordem formal e podemos qualificá-la como uma técnica jurídica proveniente da teoria geral do direito, uma vez que existem direitos subjectivos tanto nas relações juridico-públicas como nas relações inter-privadas.

Tendo presente a definição de Menezes Cordeiro de direito subjectivo como “permissão normativa de aproveitamento de um bem” ou a de Maurer como “poder único conferido pelo direito público aos indivíduos para a satisfação dos seus interesses, mediante a exigência de um determinado comportamento por parte do Estado”, encontramos em ambas o conceito-quadro no qual se inscrevem as diferentes posições substantivas de vantagem dos particulares face à Administração.

A ciência jurídica e o direito administrativo não são realidades estáticas, aliás conforme demonstra a evolução da justiça administrativa até à sua actual natureza jurídica subjectiva. Contudo, os “velhos traumas” exercem ainda uma função conformadora de muitas realidades presentes e futuras. Sem dúvida, tem havido um alargamento no campo dos direitos subjectivos, tanto pela extensão “estatutária” aos direitos fundamentais e sua incorporação natural na teoria da norma de protecção, quanto, pela via dos interesses legítimos - de segunda categoria - ou difusos - de terceira – guindados à categoria principal, fruto igualmente, da constitucionalização e europeização do direito administrativo.
Contudo este alargamento não é estanque nem definitivo. A tripartição que serviu para elevar interesses legítimos ou difusos, pode levar à restrição de direitos subjectivos e a um recuo perante uma Administração actual, já pouco prestadora e em desagregação, face a novas relações complexas e multilaterais, e designadamente no domínio da privatização de serviços e fuga para o direito privado.

A tripartição terá pois, uma utilidade dinâmica no âmbito do conceito-quadro do direito subjectivo do particular, mesmo que se prevejam apenas meras alterações e não uma mudança de paradigma para o futuro, no âmbito da Administração.

A tricotomia, elevada ao seu expoente máximo no contexto histórico muito próprio do direito administrativo italiano, trouxe desvantagens evidentes para os particulares.

A discricionariedade do operador jurídico na qualificação das posições jurídicas que Sandulli apontava como crítica ao sistema, ou então, a “contradição insolúvel” de Nigro, que defendia a inexistência de interesses legítimos, sempre que objectivamente, uma norma apenas se preocupasse com a realização do interesse público, resultando que, ou havia uma protecção directa e teríamos uma situação jurídica subjectiva ou, tratando-se de uma mera protecção ocasional, haveria um simples interesse de facto de que o particular se não poderia prevalecer, não sendo portanto sindicável o interesse legítimo ou difuso, são desvantagens claras para os particulares, resultantes do entendimento tripartido: direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos, que nos tempos actuais, devemos ter presente.

João Baptista n.º 15131 subturma 2

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