terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Acordão: sub-turma 2

Processo nº1111/11.1TALSB

Acção Administrativa Especial

Data: 16.Dezembro de 2010 pelas 20:30 horas

Intervenientes:

Autor: Somos de Inteira Confiança Lda.

Réu: Ministério da Administração Interna

ACTA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO

A 16 de Dezembro de 2010 no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, verificou-se estarem presentes os representantes do Autor, as testemunhas arroladas pelo Autor, Sílvia Boto e Roberto Pereira, os representantes do demandado e a testemunha arrolada pelo demandado, João Esteves.

SENTENÇA

I – RELATÓRIO

Somos da Inteira Confiança LDA., pessoa colectiva portadora do NIPC 500344521, com sede na Rua das Palmeiras, n.º 254, 2780-151 em Oeiras, representada por Manuel Videira, sócio-gerente, portador do B.I. n.º13122243, residente na Rua Quinino da Fonseca nº 29, 4º Esq. 2100-251 Lisboa, instaurou a presente acção contra Ministério da Administração Interna, pessoa colectiva portadora do NIPC nº 565 565 234, com sede na Rua Castilho, 45-51, em Lisboa vem pedir a anulação do procedimento escolhido para a aquisição dos veículos blindados à empresa Dusseldorf.

No prazo legal, os demandados deduziram contestação por excepção e por impugnação, peticionando, a final, a improcedência da acção bem como a condenação dos autores no pagamento de custas e demais despesas processuais a que deu causa a acção.

Prosseguiram os autos para julgamento, que se realizou com observância do formalismo legal.

II – FUNDAMENTOS

2.1. FACTOS PROVADOS

A julgamento chegou como assente a seguinte matéria de facto:

a. foi celebrado entre o MAI e a empresa alemã Dusseldorf um contrato de fornecimento de 8 veículos blindados, no valor de 1.2 milhões de euros;

b. os veículos destinavam-se a ser usados durante a Cimeira da NATO, a decorrer em Lisboa nos dias 19 e 20 de Novembro de 2010;

c. tinham como objectivo o reforço da segurança do local onde se iria realizar a Cimeira;

d. o procedimento concursal adoptado foi o ajuste directo em detrimento do concurso público;

e. os veículos não foram entregues dentro do prazo estipulado (15 de Novembro de 2010), a tempo de serem usados na segurança da Cimeira da NATO;

f. apesar da extemporaneidade do fornecimento dos veículos o contrato manteve-se.

Durante a audiência, foram dados como provados os seguintes pontos

a) o A. é uma empresa de fabrico de equipamentos blindados;

b) ao A. não foi possibilitado concorrer legitimamente;

c) o A. apenas teve conhecimento da adjudicação dos veículos blindados em Outubro de 2010, por via de uma reportagem do canal televisivo SIC, realizada sobre matérias de segurança ;

d) pela mesma reportagem soube o A. que o procedimento concursal adoptado na compra dos veículos blindados tinha sido o ajuste directo;

e) em Janeiro 2010, os veículos já estavam a ser fabricados pela empresa Dusseldorf

2.2 DO DIREITO APLICÁVEL

O autor, veio a este tribunal, alegar que o acto de adjudicação por ajuste directo de fornecimento de veículos blindados da empresa Dusseldorf com o MAI é anulável ao abrigo do artº 135º do Código Procedimento Administrativo, doravante CPA. Argumenta o Autor que, devido à escolha por ajuste directo, foi impedido de realizar melhor oferta para a aquisição dos ditos veículos blindados.

O demandado, Ministério da Administração Interna, doravante MAI, alegou a compra dos veículos blindados para a Cimeira da NATO a realizar em Lisboa, nos dias 19 e 20 de Novembro, com base no artº 24º/ 1/f) do Código dos Contratos Públicos, doravante CCP.

De acordo com a regra geral do artigo 23º CCP, não é o valor do contrato relevante para esta causa, uma vez que se entende, no caso concreto, que as vantagens através dele obtidas, devem ser preteridas face a valores de natureza pública mais relevantes, nomeadamente o da urgência.

Dever-se-á entender que não é o valor do contrato que condiciona a escolha do procedimento a adoptar, mas sim o contrário, ou seja, o valor do contrato não pode ser superior ao valor máximo que a lei permite para a utilização do procedimento escolhido (artº 17ºCCP). O procedimento escolhido para aquisição das viaturas blindadas por parte do MAI, foi o ajuste directo que de acordo com o artigo 20º/1/a) CCP, só é permitido para a aquisição de bens móveis.

Segundo o demandado, aplica-se ao caso o artº 24º/ f) CCP, dispondo este que qualquer que seja o objecto do contrato a celebrar, pode adoptar-se o ajuste directo quando, nos termos da lei, o contrato seja declarado secreto ou a respectiva execução deva ser acompanhada de pedidos especiais de segurança bem como, quando a defesa de bens essências do Estado o exigir. O contrato em causa não era secreto já que, como ficou provado, a jornalista Sílvia Boto teve dele conhecimento numa mera visita à fábrica alemã. Tão pouco a respectiva execução foi acompanhada de medidas especiais de segurança, uma vez que, com a respectiva autorização da empresa estrangeira, foi realizada uma reportagem televisiva pela dita testemunha em Janeiro de 2010. A reportagem em causa veio posteriormente a ser transmitida pelo canal de televisão “SIC”, em Outubro de 2010, onde foi divulgado que já havia sido efectuado o contrato entre a dita empresa e o estado português.

Relativamente à parte final do artº 24º/1/f) do CCP confrontamo-nos com um conceito indeterminado: (…) bem como quando a defesa de interesses essenciais do Estado o exigir. Para tal, foi arrolada pelo demandado a testemunha João Esteves, especialista em segurança internacional. Todavia, apesar da tentativa de descoberta de toda a verdade material, este depoimento não pôde ser valorado, visto que João Esteves foi arrolado como testemunha e não na qualidade de perito. Não haveria pois a considerar qualquer ponto de vista técnico por si oferecido: de facto, nos termos do art. 638 nº1 do Código de Processo Civil, a testemunha só devia responder com precisão sobre os factos que haviam sido articulados ou impugnados pela parte que a ofereceu (não devendo emitir pareceres de acordo com os seus especiais e qualificados conhecimentos sobre a matéria controvertida: essa função de tecer esclarecimentos técnicos especiais pertenceria, sim, a um perito requerido para esse efeito).

Como tal, concluiu-se que não terem sido dados como fundamentados os pressupostos para a aplicação do artº em causa.

De igual modo se provou não haver urgência na contratação, na medida em que os veículos em causa já estariam a ser produzidos em Janeiro, sendo que não foi produzida prova em como o contrato entre o demandado e a empresa Dusseldorf foi realizado em Outubro.

Assim sendo, concluiu-se não ter sido feita respectiva fundamentação legal para a decisão da escolha do procedimento (a qual, como qualquer acto administrativo, carecia de fundamentação). O art. 38º do Código dos Contratos Públicos exige que a decisão de escolha do procedimento de formação de contratos seja devidamente fundamentada, cabendo tal justificação ao órgão que era competente para a decisão de contratar: e, com as provas trazidas a este Tribunal, não conseguiu o MAI fazer prova de que existia um fundamento atendível para a escolha que tomou.

Pelo exposto, deverá decidir-se no sentido da procedência do pedido na P.I.

2.3 DECISÃO

Nestes termos, julga o presente colectivo de juízes a presente acção procedente, decidindo, em consequência disso:

a) a mera declaração da anulação do acto administrativo da escolha de ajuste directo no procedimento de formação do contrato entre o MAI e a empresa Düsseldorf: não tendo sido pedido cumulativamente qualquer acto de condenação da Administração, tem a presente sentença o efeito único de declarar anulado o mencionado acto administrativo.

b) condenar a ré no pagamento das custas decorrentes do presente litígio

c) ordenar o registo e notificação da presente sentença

___________________________________________________

Da sentença que antecede foram os presentes notificados.

Para constar se lavrou a presente acta, que lida e achada conforme vai ser assinada.

A Escrivã-Auxiliar

M.

Lisboa, 19 de Dezembro de 2010,

O Juíz de Direito

(segue assinatura digital)

Abímal Nanu

Ana Margarida Rodrigues

Bernardo Rodrigues

Carlos Ferreira

Cláudia Magalhães

João Gonçalves

João Serrano

Nuno Espírito Santo

Paulo Fonseca

Raphael Faria

Sónia Martins

Teresa Tavares

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