quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Sistemas de contencioso - a actualidade dos modelos inglês e francês

Ao nível dos sistemas de contencioso administrativo, em termos históricos, cabe fazer duas grandes distinções: entre os modelos “primários” francês e britânico e os sistemas subjectivos e objectivos. Escusar-me-ei, porém, a grandes preocupações de definição quanto a estes, dado o vasto desenvolvimento dado por outros colegas no presente blogue.

O objecto do meu trabalho será, pois, uma crítica sobre a actualidade de tal distinção, partindo de uma análise dos sistemas de antigas colónias portuguesas. Assim, para aquilo que nos interessa analisar, basta ter em consideração que no modelo britânico existia uma ordem jurisdicional comum, em que as entidades públicas estavam sujeitas ao mesmo direito que qualquer outra pessoa; já o modelo francês caracterizava-se pela posição de vantagem, relativamente a particulares, no processo e pela sua sujeição a um direito específico. Este último tem no seu núcleo essencial o recurso de anulação de decisões administrativas.

Quanto à segunda grande distinção, vemos que o modelo objectivista tem como principal característica a protecção da legalidade e prossecução do interesse público, enquanto que os sistemas subjectivistas, de origem germânica, têm como objecto a protecção judicial dos direitos dos particulares perante a Administração mediante a atribuição ao juiz de poderes diversificados.

Passando então ao objecto do trabalho em si, começo por analisar o sistema angolano. A Constituição de 1992 estipula como princípios basilares da sua justiça administrativa o princípio da legalidade, consubstanciado na subordinação à lei dos órgãos do Governo e da Administração Pública, segundo o disposto no artº 54/b); o direito à tutela judicial efectiva, que atribui aos cidadãos o direito de impugnação e recurso aos tribunais contra todos os actos que violem os seus direitos; por fim, a faculdade de criação de tribunais administrativos, enquanto jurisdição autónoma da comum.

O artº 120º da Lei Fundamental Angolana estabelece que os litígios emergentes das relações administrativas são de apreciação jurisdicional, estando em vigor o princípio da unidade do poder judiciário, estando a jurisdição administrativa integrada, juntamente com outras, na comum.

A Lei nº 18/88 veio, ao abrigo do referido artº 120º, estabelecer um sistema de ordem jurisdicional comum, neste integrando outras ordens jurisdicionais, nas quais se inclui, obviamente, a administrativa. Perante a faculdade de opção pela via monista (tribunais comuns que abarcavam todas as jurisdições) ou dualista (em que se constituiriam tribunais administrativos autónomos), o legislador angolano optou pela primeira opção.

A ordem jurisdicional administrativa, se bem que não autónoma, era especial dentro da jurisdição comum, já que a resolução de litígios em que intervém como parte a Administração Pública obrigava à aplicação de normas de Direito Administrativo. A doutrina tem vindo a pôr em causa, no entanto, esta especialidade, já que os juízes que aplicam estas normas têm, na grande maioria das vezes, formação civilística, pondo em causa aquela especialidade.

Constatamos, então, que em Angola vigora um modelo francês, fundamentalmente objectivista, onde se protege mais a legalidade e o interesse público, não havendo possibilidade de condenação da Administração à prática de actos mas só anulação dos actos considerados ilegais.

Passemos agora à análise do sistema de contencioso administrativo brasileiro. Aqui, o Direito Administrativo será julgado pelos tribunais comuns, isto porque, para além da exigência de um “sistema de jurisdição una”, o artº 92º CRB não prevê um órgão jurisdicional exclusivo para a resolução de conflitos administrativos. Constata-se também que, no que concerne à justiça da União, a maioria das acções termina no 2º grau de jurisdição, isto porque, a menos que sejam levantadas questões de inconstitucionalidade, só haverá recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça, que constituirá a última instância administrativa.

Ainda relativamente a esta antiga colónia cabe referir a posição vantajosa conferida à Administração. Tendo como justificação o interesse público e a falta de uma estrutura organizada para a defesa da Administração, uma série de privilégios processuais foram conferidos, nomeadamente o alargamento de prazos em diferentes momentos do processo e o recurso automático e obrigatório para a instância superior quando sejam a União, os Estados e os Municípios os vencidos.

Pode, deste modo, concluir-se que o sistema brasileiro constitui um misto entre o modelo britânico e o modelo francês, possuindo elementos característicos de ambos como são o julgamento da Administração pelos tribunais comuns (modelo inglês) e a atribuição à Administração de privilégios (modelo francês).

Resta então verificar se a distinção feita entre os modelos inglês e francês será ainda relevante actualmente. Ainda que os actuais sistemas de contencioso administrativo possuam mais características de um dos modelos e menos do outro, em todos existem aspectos comuns a ambos os sistemas funcionando assim como sistema “híbridos”. Assim sendo, torna-se mais relevante a distinção feita entre o modelo objectivo, que oferece garantias mais amplas de defesa da legalidade, e o modelo subjectivo, que confere uma protecção mais ampla aos administrados que sejam titulares de direitos perante a Administração. Entende o Prof. Vieira de Andrade que a opção mais adequada será a combinação de aspectos de ambos os modelos.

Ana Margarida Rodrigues nº16475

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