sábado, 18 de dezembro de 2010

O Contencioso Administrativo Nacional de 1976 até à reforma de 2004
Entre nós, deu-se a introdução do modelo francês de justiça administrativa, em 1832, pelo Decreto n.º 23 de 16 de Maio ( Decreto de Mouzinho da Silveira ), em que basicamente proibia os tribunais comuns de julgarem a Administração.
Até 1933 vive-se um período de grande instabilidade, oscilando a atribuição de resolução de litígios a orgãos administrativos especiais ou a tribunais comuns.
Verifica-se uma lenta transição do sistema de administrador juiz ou de justiça reservada para um sistema de tribunais administrativos ou judiciais.
De 1933 a 1976 a lógica de funcionamento era a da “ justiça delegada “ ou até de “ justiça reservada “, já que algumas decisões do tribunal necessitavam de homologação do governo para serem executadas. As instituições denominavam-se por Auditorias Administrativas e Supremo Tribunal Administrativo, e estavam no exercício de uma função jurisdicional, mas, na realidade eram órgãos da Administração, faziam parte da estrutura orgânica da Presidência do Conselho de Ministros e os juízes dependiam funcionalmente do governo.
Vamos analisar o percurso do Contencioso Administrativo 1976 a 2004, evidenciando as alterações surgidas na Constituição e a actuação do legislador ordinário.
O Contencioso Administrativo tem uma relação dupla com o Direito Constitucional. Não é mais que Direito Constitucional aplicado, e este serve de padrão de actuação do primeiro, submetendo-se o Contencioso Administrativo às suas regras.
O Direito Constitucional também depende do Contencioso Administrativo na medida em que compete à Administração e aos Tribunais um papel decisivo na realização dos direitos fundamentais.
Podemos afirmar que o Contencioso Administrativo é Direito Constitucional aplicado. No entanto, seria mais correcto afirmar que, no período de 1976 a 2004, o Contencioso Administrativo foi mais concretamente Direito Constitucional por aplicar. Esta realidade foi-se agravando com o decurso do tempo. À medida que o legislador ordinário não acompanhava o texto da Constituição, foi crescendo o fosso entre o Direito Constitucional e o Contencioso Administrativo, questão resolvida só em 2004.


A Constituição de 1976
Com esta dá-se inicio ao movimento de constitucionalização do Contencioso Administrativo, que será continuado pelas posteriores revisões constitucionais.
Curioso é reparar a diferença ocorrida em Portugal em relação aos demais países europeus. Entre nós a fase de constitucionalização de uma concepção subjectivista do Contencioso Administrativo coincidiu com a da jurisdicionalização. Enquanto que na generalidade dos países europeus a jurisdicionalização ocorreu no advento do Estado Social, portanto muito mais cedo que em Portugal, e mais tarde a da Constitucionalização, na generalidade dos países na década de 70.
Nesta estabelece-se a jurisdicionalização plena e integral do Contencioso Administrativo, 202.º, e a consagração da tutela plena das relações entre particulares e Administração, n.ºs 4 e 5 do 268.º
Verifica-se um duplo compromisso, quer ao nível da Justiça Administrativa, assegurando um direito efectivo de recurso aos tribunais, quer ao nível da noção de acto administrativo.Ao nível da Justiça Administrativa institui-se um novo modelo jurisdicionalizado, visando a tutela dos direitos dos particulares, manifestado pela qualificação dos tribunais administrativos como verdadeiros tribunais e o seu acesso passa a ser considerado um direito fundamental.
Em relação ao acto administrativo a mudança é menos ambiciosa:
a) permanece a ideia de auto controlo da Administração mais forte do que a da protecção dos particulares, embora se verifique o embrião desta, ao ser permitido aos particulares o recurso de anulação ( apenas ), não existindo ainda outros meios processuais;
b) mantém do regime anterior a necessidade de o acto ser definitivo e executório, para ser recorrível;

Dá-se assim inicio à caminhada da afirmação plena da concepção subjectivista, verificando-se nesta fase um predomínio desta, embora muito marcada pela concepção objectivista, muito ligada ainda à noção de auto controlo da Administração.
Carecem as disposições da Constituição de concretização do legislador ordinário, o Dec. Lei. n.º 256-A/77, vem dar o seu contributo com vista à instauração do constitucionalmente previsto. Este decreto vem regulamentar os regimes de fundamentação dos actos administrativos, das omissões e sua impugnação contenciosa, e da execução das sentenças dos tribunais administrativos.
Este Dec. Lei. ficou aquém das expectactivas no sentido em que não deu cumprimento às novas exigências preceituadas na Constituição. Apesar da critica apresentada foi uma medida legislativa imprescindível, importante, pois dava inicio às imprescindíveis reformas legislativas.
Na mesma linha de actuação esteve a jurisprudência, alinhando a sua actuação pela falta de ambição do legislador ordinário, impedindo a prática constitucional de acompanhar o texto fundamental.

Revisão de 1982
Característica dominante desta revisão constitucional foi a acentuação da protecção jurídica individual. Apesar de continuar a consagrar uma garantia de recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos definitivos e executórios, vem acrescentar dois novos elementos: que diga respeito a tais actos, “ independentemente da sua forma”; bem como para “ obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido”.
Ora este reconhecimento tem implícita uma acentuação da dimensão subjectiva do Contencioso Administrativo..
A reforma legislativa de 1984/85 e a prática constitucional vão reconhecer a necessidade de criar outros meios processuais, de modo a dar uma maior amplitude à protecção desses direitos ou interesses legalmente protegidos, para que a forma de reagir contra a prática da Administração não esteja cingida ao recurso de anulação.
Também ao nível do acto administrativo a postura constitucional mudou, agora apesar de ainda se manter a necessidade do acto ser definitivo e executório, é permitida a impugnação de decisões individuais e concretas, ainda que disfarçadas de acto legislativo.
Adopta-se uma concepção material de acto administrativo, sendo tido em conta a actuação da Administração em detrimento da forma, privilegiando a função em vez do poder, sendo assim alargada a amplitude do controlo jurisdicional a todas as decisões das necessidades colectivas.
Consagra também o direito à notificação e à fundamentação das decisões administrativas.
O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, D.L. n.º 129/84, de 27 de Abril e a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos D.L. n.º 267/85, tiveram como objectivo regular a justiça administrativa de acordo com as opções constitucionais de 76 e de 82, de plena jurisdicionalização e de protecção jurídica subjectiva.
Esta reforma legislativa foi muito importante, no entanto é de se lhe apontar o facto de não ter procedido à revogação global da legislação reguladora do contencioso administrativo, tendo assim, contribuído para uma situação de geradora de dúvidas, dificuldades e incongruências.

Revisão de 1989
Na revisão de 1989 verifica-se, uma vez mais o acentuar do compromisso constitucional no caminho da plena jurisdicionalização e subjectivização.
Na Constituição de 1976 estava prevista a possibilidade de os tribunais administrativos e fiscais, virem a constituir uma jurisdição própria, ficando esta ao critério do legislador ordinário. A constituição de 1989 ( artigos 211º e 214º ), estabelece esta medida, deixando de ser uma mera possibilidade.
O texto fundamental afasta de uma vez por todas a perspectiva clássica processual, em que o Contencioso Administrativo gira em redor de um acto, para passar a considerar como sujeitos processuais o particular e a Administração, tendo como principal objectivo a protecção dos direitos individuais. Adopta também, agora do ponto de vista substantivo a adopção da relação jurídica como a nova figura central, afastando a concepção actocêntrica. O particular deixa de ser um mero administrado, um destinatário, para passar a ser um sujeito de direito que estabelece relações com a Administração.
A garantia do recurso contencioso era completada por outro direito fundamental, o do acesso à justiça administrativa, independentemente do meio processual que estivesse em causa. Isto porque o Contencioso Administrativo não se esgota no recurso de anulação tendo antes de ser completado por outros meios processuais que permitissem a tutela do particular em qualquer relação jurídica com a Administração.
Tínhamos assim, como resultado da conjugação destes dois direitos fundamentais, a consagração do princípio da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, destinada a garantir os seus direitos nas relações jurídicas administrativas.Uma vez mais verifica-se uma inexistência absoluta de concretização das opções constitucionais. O legislador ordinário não criou os meios necessários a assegurar a tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, ao não alterar o regime jurídico dos meios processuais e ao não permitir o alargamento dos actos impugnáveis.
A reforma legislativa entretanto surgida, Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto ( Lei de Acção Popular e o D.L. n.º 229/96 de 21 de Março ( altera o ETAF ),ficou marcada por uma abordagem muito limitada, introduzindo apenas alterações em aspectos parcelares, como que estando expectante por uma verdadeira reforma do Contencioso Administrativo.
Situação que o Professor Vasco Pereira da Silva considera como de “… grave omissão do legislador…”, afirmando que este é um exemplo em que o Contencioso Administrativo é Direito Constitucional por concretizar e não Direito Administrativo concretizado, como seria de supor.
O Contencioso Administrativo continuava assim refém de um legislador preso ao passado, permitindo que o modelo constitucional do Contencioso Administrativo e a sua realização legislativa se continuassem a afastar. A jurisprudência esteve sempre ao lado do legislador ordinário, como que aguardando pelas medidas legislativas, ao invés de fazer juízos de inconstitucionalidade ou de interpretações conformes à Constituição. Contribuindo, ora activa ora passivamente, para a manutenção desta inconstitucionalidade por omissão, revelada pelo agudizar do fosso entre os modelos de Contencioso Administrativo Constitucional e o de Contencioso Administrativo legislado.

Revisão de 1997
Esta revisão vem introduzir outra alteração ao compromisso constitucional, uma vez mais no sentido da jurisdicionalização e subjectivização.
Agora, de acordo com o artigo 268.º, n.º 4, todo o contencioso administrativo gira, já não redor do acto, mas em redor da tutela judicial plena e efectiva dos direitos dos particulares; O juiz goza de todos os poderes necessários e adequados à protecção dos direitos dos particulares, independentemente dos meios processuais que estiverem em causa, ou de se tratar de tutela principal, cautelar ou executiva.
Os poderes do juiz, já não estão limitados à anulação dos actos administrativos, estamos perante um Contencioso pleno e subjectivo, em que os efeitos das sentenças dos tribunais administrativos não se defrontam com qualquer limitação, devendo apenas ter como objectivo a protecção dos direitos dos particulares merecedores de tutela.
Tal como na revisão de 1989 o legislador ordinário não acompanhou a evolução do texto fundamental. Se desde 1989 a situação era grave e necessitada de uma intervenção legislativa urgente, urgência que já levava 8 anos de existência… Tal situação leva o Professor Vasco Pereira da Silva a considerar a inconstitucionalidade por omissão agora como “..agravada…”, já que esta inconstitucionalidade respeitava já a duas revisões constitucionais. Efectivamente, podemos considerar esta inconstitucionalidade de “dupla” ou que o legislador ordinário “já levava uma volta de avanço” do legislador constituinte.
Em 1999 surge o Código de Procedimento de Processo Tributário ( Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, sendo de lamentar a sua falta de oportunidade, pois cabimento teria que este tivesse surgido aquando da reforma de todo o Contencioso Administrativo, já que se integram na mesma ordem jurisdicional. Sendo também de lamentar que este diploma não tenha sido tido em conta aquando dessa reforma, nomeadamente pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, “ Estatuto dos Tribunais Administrativo e Fiscais “.
Mais grave ainda é o facto deste código provir do governo sem que tenha havido a necessária autorização legislativa por parte da Assembleia da República, já que este versa sobre direitos, liberdades e garantias dos particulares.
Assim chegados ao final do sec XX vive-se um ambiente em que o legislador ordinário bem como a jurisprudência ignoram o texto fundamental, pondo em causa a efectividade da Constituição.
A Lei 13/2002 de 19 de Fevereiro ( ETAF ) e a Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro ( CPTA ), após várias vicissitudes, entram em vigor em Janeiro de 2004, sendo que ainda sofreram duas alterações antes de entrarem em vigor.
Em face da reforma do Contencioso Administrativo, podemos considerar que, finalmente a legislação ordinária respeita o texto fundamental, no que diz respeito à realização do principio da protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares através dos meios processuais principais, cautelares e executivos.
Bernardo Rodrigues, aluno 17613, subturma 2.

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