terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Evolução Histórica dos Modelos Francês e Anglo-Saxónico Da Justiça Administrativa e semelhanças e diferenças existentes actualmente

Evolução Histórica dos Modelos Francês e Anglo-Saxónico da Justiça Administrativa e semelhanças e diferenças existentes actualmente
Pontos curiosos relevantes da evolução do sistema administrativo Francês

O Contencioso Administrativo é um dos rebentos da Revolução Francesa.
No antigo regime alguns órgãos exerciam jurisdição sobre matérias administrativas, mas os tribunais comuns decidiam grande parte dos litígios da actividade administrativa. Ora os tribunais judiciais eram em grande parte órgãos de defesa de privilégios obsoletos e opunham-se portanto à criação de um aparelho administrativo estadual. E muitas vezes o mesmo órgão exercia ao mesmo tempo competências jurisdicionais e competências administrativas.
Aclamava-se por uma administração una e concentrada independente de ingerências alheias.
Em 1790 ficou escrito que “as funções judiciais são distintas e permanecerão sempre separadas das funções administrativas. Os juízes não poderão perturbar as operações dos corpos administrativos ”. Esta lei serviu para soltar a administração da jurisdição dos tribunais quando se tratasse de lides emergentes do exercício do poder público. Então mas se o órgão da administração fica independente do controlo do juiz quem supervisiona o respeito pela lei nas relações daquela com o particular? Surge aqui a ideia do administrador - juiz que se concretiza na máxima “julgar a administração é ainda administrar”. Os órgãos administrativos podiam então exercer uma actividade materialmente jurisdicional.
Note-se que em França os tribunais administrativos surgiram por meio de um processo de jurisdicionalização do administrador - juiz.
1799 – Criação do “Conseil d’État” – respeito pelo princípio da separação de poderes. Tem competências consultivas. Começava nesta altura o processo de separação material entre a função administrativa e a função jurisdicional e de submissão da administração a um juiz.
1806 – Criação de uma comissão de contencioso no “Conseil d’État” – recebe as petições, procede à sua instrução e apresenta relatórios à Assembleia Plenária.
1849- O Conselho de Estado passa a instituir sobre o contencioso administrativo, ou seja, este órgão recebe um poder jurisdicional próprio.
1860- O Conselho de Estado estende largamente o seu controlo. Desenvolve-se a figura do recurso por excesso de poder. A jurisprudência consagra o princípio do direito à revisão da legalidade de todo o acto administrativo.
1872- Período da restauração do tribunal dos conflitos que curiosamente permanecerá até aos nossos dias.
1889- Tendo sido transformado em órgão jurisdicional em sentido próprio, o Conselho de Estado ultrapassa a visão doutrinária que teimava em aceitar a teoria de “ministro – juiz ” segundo a qual cada ministro continuava a ser o “juiz – administrativo de direito comum” nas matérias relativas às atribuições do respectivo ministério. O Conselho de Estado passa a ser o juiz comum nas matérias administrativas.
1953 - A qualidade de juiz comum passa a ser envergada pelos tribunais administrativos que emergiram da transformação dos conselhos de prefeitura. Passam assim a ser eles a julgar em primeira instância os litígios administrativos surgidos na área da sua competência territorial. Das suas sentenças cabia recurso de apelação para o Conselho de Estado que também julgava em anulação os recursos de certas jurisdições administrativas especiais.
1987 – Criação dos tribunais administrativos de apelação que passaram a julgar em segunda instância os recursos das decisões dos tribunais administrativos sobre os quais o Conselho de Estado exercia uma competência de revista (de apreciação de recursos versando apenas as questões de direito).

Inovações a nível processual

Estabelecimento de um procedimento prévio de admissão ao qual são submetidos todos os requerimentos de recurso de cassação apresentados perante o Conselho de Estado. O Conselho de Estado é dotado de um poder processual que lhe permite defender-se da “sobrecarga contenciosa”.
Garantia da independência dos juízes dos tribunais administrativos.

O Contencioso Administrativo francês é o paradigma de sistema de dualidade de jurisdições e fixa-se no princípio da proibição aos tribunais judiciais de decidir sobre a legalidade das decisões administrativas. A organicidade da ordem jurisdicional administrativa continua a espelhar que “julgar a administração é ainda administrar”. O “Conseil d’État”, as “cours administratives d’appel” e os “tribunaux administratifs” continuam organicamente ligados ao executivo e não ao poder judiciário, sendo esta uma concepção “especificamente francesa” da justiça administrativa, assente na existência de um juiz não apenas especializado em direito administrativo mas possuindo o “espírito de administrador”, um juiz consciente de que as suas decisões devem ser “um complemento da acção administrativa”. A interdependência entre administração activa e administração contenciosa traduz-se pelo simultâneo desempenho pelas estruturas desta última de atribuições jurisdicionais e de atribuições consultivas da administração activa.
Espera-se que o juiz administrativo conheça bem a administração a fim de que a sua justiça se fixe à realidade.
Apesar de haver uma grande proximidade entre justiça administrativa e administração activa os tribunais administrativos têm respeitado o campo de actuação desta.
A administração dispõe do privilégio da decisão executória, ou seja, pode, através de acto unilateral, impor ao particular deveres ou sujeições e conferir-lhe direitos sem o consentimento do próprio e sem a intervenção prévia de um juiz. Já o “privilège du préable” se exprime na transformação do ordenamento jurídico pela simples manifestação unilateral e vontade da administração e pela imperatividade dos actos que produzem esses efeitos constitutivos. Posto isto, a intervenção do tribunal administrativo é revisora ou reactiva da decisão administrativa.
O meio processual central é o recurso por excesso de poder que se caracteriza por ser uma acção através da qual qualquer interessado pede ao juiz administrativo a anulação de um acto administrativo unilateral com fundamento em ilegalidade. Mesmo quando se passa do contencioso de anulação ao contencioso de plena jurisdição, a iniciativa processual toma a forma de um recurso. Os tribunais administrativos só dão acesso a litigantes que usem a via de um recurso contra uma decisão. Note-se que no contencioso de plena jurisdição os processos também se chamam recursos.
A separação de poderes não é mais do que um princípio da separação entre o juiz administrativo e a administração activa, daí decorre o princípio geral da proibição das injunções do juiz administrativo à administração activa.
A dualidade de ordens jurisdicionais pode vir a ser posta em causa num futuro próximo, pois o modelo de contencioso administrativo imponente de meados do séc. XX entrou em crise logo a seguir. As alterações que se fizeram sentir não foram suficientes para ajustar o sistema às novas exigências que decorreram do acentuar do Estado de Direito e da cada vez maior procura do serviço da jurisdição administrativa.
Isto possibilitou uma crítica de raiz neo-liberal à própria essência do direito administrativo que elogiava o direito privado e suspeitava do direito administrativo por este ser uma fonte de privilégios caducos para o Estado.
E as crises da justiça administrativa francesa continuavam na tendência dos administrados para procurarem a tutela jurisdicional judiciária em conflitos jurídico-administrativos. Daqui resulta um princípio geral de direito, conhecido pela teoria da via de facto que é uma providência administrativa insusceptível de ser associada ao exercício de um poder inserido nas competências da administração; os tribunais judiciários são competentes para julgar os litígios emergentes da via de facto quando esta lesa uma liberdade fundamental. Os particulares tendem a procurar a protecção dos tribunais judiciais, pois o juiz judiciário dispõe de meios mais eficazes, o que reflecte os handicaps do processo administrativo.

Fins dos anos 80 do séc. XX

O contencioso administrativo francês transmitia uma imagem descredibilizada, com um “Conseil d’État” incapaz de prosseguir o seu papel histórico de motor do desenvolvimento do direito administrativo francês, muito ultrapassado pela implantação e alargamento da influência outras jurisdições europeias.

Chegada do séc. XXI

Houve uma redistribuição de papéis nas instituições importantes, envolvendo órgãos jurisdicionais e o grau de intervencionismo do legislador.
O “Conseil d’État” e os outros tribunais da ordem jurisdicional administrativa prosseguem com uma “estratégia de relegitimação do juiz administrativo”, a qual passa também por aspectos não contenciosos da sua actividade.
As alterações surgidas mesmo contra a vontade do “Conseil d’État” revelaram-se como factores de um novo dinamismo da jurisprudência administrativa.

Agora alguns pontos que também suscitam curiosidade no sistema administrativo britânico

Em Inglaterra existe jurisdição administrativa, o que não impede a atribuição da inerente competência aos tribunais comuns. É importante que o processo seja especializado consoante a natureza jurídico-administrativa do objecto do litígio. Contudo, a tendência para a utilização de meios processuais específicos evapora-se, pois a jurisdição administrativa cabe a uma ordem jurisdicional comum.
No direito inglês, os direitos dependem das acções. O processo sobrepõe-se ao direito substantivo, no entanto, apesar da dependência deste relativamente àquele, a autonomia da jurisdição administrativa enquanto instituto jurídico encontra-se garantida pela especialização do processo.
Havia uma confusão entre a natureza administrativa e jurisdicional das actividades controladas através dos meios processuais em causa.
Outro ponto importante da evolução do controlo jurisdicional da actividade administrativa é o que se refere aos “administrative tribunals”. A Inglaterra nunca se deparou com a separação repentina entre julgar e administrar. À medida que as tarefas se especializaram e intensificaram tornou-se patente a ausência de condições por parte dos magistrados judiciais para assumir a quase totalidade delas, então foram surgindo os “administrative tribunals”, criados por lei casuisticamente. Em meados do séc. XX já julgavam conflitos entre a administração e particulares em algumas áreas.
A opinião pública ditava que os “administrative tribunals” constituíam “um sistema desordenado com tendência para o caos”. Então o legislador instituiu um “Council on Tribunals” que foi dotado apenas de competências consultivas.
Características dos “administrative tribunals”:
Independência em face da restante Administração e decisão baseada nas regras aplicáveis e não em considerações de política administrativa.
Carácter vinculativo das decisões
Composição colegial, mista.
Processo simplificado
Existência permanente e competência por atribuição.
Conclui-se que os “administrative tribunals” não formam uma ordem jurisdicional, não o são porque não se encontram estruturados em uma pirâmide encimada por um tribunal da mesma espécie e competente para apreciar os recursos das decisões dos restantes, nem se acham compostos por uma magistratura que forma um corpo com estatuto e carreira unificados.
Há apenas uma ordem jurisdicional (a das “courts”), a qual, no entanto, compartilha o exercício da jurisdição administrativa com uma multiplicidade de órgãos nesta especializados.
Não havia uma demarcação entre as actividades administrativa e jurisdicional, pois o grau de aplicabilidade da distinção entre direito público e direito privado era incerto.

Difunde-se a linha de fronteira entre o direito público e o direito privado.
Apesar do pandemónio, o sistema britânico evoluiu.
Em termos de organização administrativa, a administração britânica tornou-se mais centralizada devido ao grande crescimento da burocracia central.

Breve síntese das diferenças e semelhanças entre os dois sistemas da Comunidade Europeia

Houve uma aproximação entre os sistemas francês e britânico, principalmente na organização administrativa.
As diferenças mantêm-se mais nítidas nos tribunais a cuja fiscalização é submetida a administração pública, pois na Inglaterra são os tribunais comuns e em França os tribunais administrativos.
Inglaterra – unidade de jurisdição.
França – dualidade de jurisdições.
A grande diferença entre o sistema britânico e o sistema francês reside no tipo de controlo jurisdicional da administração.
Inglaterra – subordinação dos litígios suscitados entre a administração pública e os particulares aos “courts of law”, representantes exclusivos de um poder judicial unitário.
França – subordinação dos mesmos aos “tribunaux administratifs”, órgãos de uma jurisdição especial distinta da dos tribunais comuns.



Ana Raquel Delgado, n.º15174
Roberto Bernardino Pereira, n.º15373

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