domingo, 19 de dezembro de 2010

Um exemplo actual e paradigmático da globalização do modo de actuação das Entidades Administrativas na Europa: na área do combate ao download ilegal

No âmbito da propalada globalização do direito administrativo e de uma crescente uniformização de procedimentos e actuações por parte das entidadas administrativas dos diversos países europeus, vimos trazer um exemplo, muito actual, e com bastante relevância social nos dias correntes, de uma medida administrativa que foi aplicada da mesma forma tanto em França como em Inglaterra, e que tenderá a ser copiada noutros países.

No âmbito do combate à pirataria na Internet _ nomeadamente no que concerne ao combate ao download ilegal _ (e da protecção dos direitos de autor), foram instituídas autoridades e procedimentos administrativos idênticos: nomeadamente a criação de uma autoridade administrativa com poderes para controlar a navegação dos particulares, estando prevista uma resposta gradual que se traduz num sistema de avisos ao particulare (e que culmina, em caso de persistência no incumprimento, numa sanção que pode ir até à suspensão do acesso à internet, decretada por um juiz).

Em França, respondendo ao célebre apelo do Presidente Nicolas Sarkozy, “a internet não pode ser o faroeste hi-tec, nem uma zona de não-lei”, veio a desencadear-se o procedimento legislativo que resultou na criação da lei Hadopi 2 (que se encontra actualmente em vigor).

Sublinhe-se que esta lei levantou um grande debate na sociedade civil, e levantou inúmeras questões no que toca à constitucionalidade do diploma: a 1ª versão desta lei foi inclusivamente chumbada por inconstitucionalidade (a Décision nº 2009-580 DC du 10 Juin 2009 do Conseil Constitutionnel colocou especial ênfase no desequilíbrio manifesto entre a protecção dos direitos de autor e o direito ao respeito da vida privada), mas a segunda versão acabou por ser acolhida.

Sublinhamos apenas a parte da Décision nº2009-590 du 22 Octobre 2009 (a qual se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade do novo diploma) em que se considerou que “a instauração de uma pena complementar destinada a reprimir os delitos de contrafacção cometidos por via de um serviço de comunicação ao público online e consistindo na suspensão do acesso a um tal serviço por uma duração máxima de um ano, aliada à interdição de subscrever, durante o mesmo período, um outro contrato tendo por objecto um serviço com a mesma natureza (junto de outro operador), não violava o princípio da necessidade da pena” (ponto 21 da decisão) e, também e particularmente, aquela em que considerou que nenhuma regra e nenhum princípio constitucional se opunha a que uma autoridade administrativa participasse à execução da pena de suspensão de acesso à Internet.

Ora, se em França a Loi Hadopi 2 instituiu a criação de uma autoridade administrativa com poderes para controlar a navegação dos particulares, aplicando um sistema de resposta gradual (que começa com um aviso da autoridade administrativa por e-mail, seguido de uma carta com aviso de recepção _ as quais têm suscitado uma vaga de processos nos tribunais administrativos, que questionam a validade desta medida administrativa), foi exactamente no mesmo sentido que seguiu o Reino-Unido, cuja lei do Parlamento Digital Economy Act 2010 impôs um modelo semelhante de resposta gradual: o controle administrativo estará, desta feita, a cargo do Office of Communications (aka Ofcom) e a pena mais grave, tal como em França, consiste na suspensão do acesso à Internet decretada por juiz.

Independentemente das questões que se prendem com os direitos de autor (até com a própria legitimidade para a sua existência, tout court) ou com a justeza deste procedimento administrativo, a verdade é que uma solução deste tipo (para o combate ao download ilegal) já está a ser equacionada em Portugal: a discussão já existe entre a indústria cultural e os especialistas em direito de autor e em criminalidade informática, tendo inclusivamente já sido apresentada uma proposta aos grupos parlamentares.

Fica à consideração de cada um se a implementação deste procedimento pode ser incluído na lista de exemplos da actual e generalizada “modernização da administração (na procura de eficiência, privatização, liberalização, aumento da criação de organismos administrativos independentes, mas também na procura de transparência, proximidade com o cidadão, aumento do uso de mecanismos de cooperação na tomada de decisão e auto-regulação)” que faz com que exista actualmente “uma verdadeira transformação e não apenas uma evolução no direito administrativo” (usando a expressão do jurista alemão Matthias Ruffert).

Bibliografia

La justice administrative à l’aube de la décennie 2010: quels enjeux? Quels défis?, intervenção de Jean-Marc, Sauvé, vice-presidente do Conseil d’État, na Conferérence nationale des présidents des jurisdictions admininistratives, de 10 de Setembro de 2010 http://www.conseil-etat.fr/cde/fr/discours-et-interventions/la-justice-administrative-a-l-aube-de-la-decennie-2010-quels-enjeux.html


The Transformation of Administrative Law in Europe, estudo do jurista alemão Matthias Ruffert, publicado no European Journal of International Law, http://www.ejil.org/pdfs/19/3/1633.pdf

Décision nº 2009-580 DC du 10 Juin 2009, do conseil d’Etat (sobre a inconstitucionalidade da lei Hadopi 1) http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/les-decisions/acces-par-date/decisions-2009/2009-580-dc/decision-n-2009-580-dc-du-10-juin-2009.42666.html

Décision nº2009-590 du 22 Octobre 2009, do Conseil d’Etat (que se pronuncia no sentido da não inconstitucionalidade da lei Hadopi 2)

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