domingo, 12 de dezembro de 2010

Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias

Com a entrada em vigor do novo Código de Processo dos Tribunais Administrativos CPTA aprovado pela Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro, passou-se de um contencioso baseado no recuro Contencioso de Anulação, destinado à mera defesa de legalidade, a um contencioso de plena jurisdição, com o objectivo de proporcionar a mais efectiva tutela a quem quer que se lhe dirija – art. 2º CPTA – quer sejam os indivíduos em defesa dos seus direitos e interesses particulares, quer o Ministério Público, as entidades públicas, as associações cívicas e os próprios cidadãos em defesa de interesses públicos colectivos e difusos.
O princípio da tutela jurisdicional efectiva, ou seja, o direito de obter, num prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão, plasmado no art. 20º da CRP e na esteira da “Convenção Europeia dos Direitos do Homem”e da jurisprudência do “Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, concretiza-se no novo Contencioso Administrativo , nomeadamente, nos novos processos urgentes e autónomos , na vertente da tutela cautelar.
As providências cautelares, praticamente inexistentes no Contencioso Administrativo anterior ( existindo apenas a figura da suspensão de eficácia do acto administrativo), abrangem, actualmente, além de todas aquelas especificadas no Código de Processo Civil, todas as que sejam adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal – a tutela cautelar não especificada – no cumprimento do art 268º nº 4 da CRP.
Dentro dos processos urgentes, a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias – art 109º CPTA - é um processo urgente (urgentíssimo em certas circunstâncias – art. 111º CPTA) e principal , com uma tramitação sumária dirigido à produção de uma sentença de mérito , definitiva.
A protecção dos direitos, liberdades e garantias – art 20º CRP – estendendo-se à defesa de direitos fundamentais análogos “justifica-se”, no dizer do Prof. Vieira de Andrade, “na sua substância, pela especial ligação destes direitos à dignidade da pessoa humana, e, na sua oportunidade, pela consciência de perigo acrescido da respectiva lesão, que, nas sociedades actuais, decorre sobretudo de o seu exercício depender, de modo cada vez mais intenso, de actuações administrativas não apenas negativas , mas também positivas, isto é, de intervenções de tipo autorizativo e não apenas das proibições, imposições ou limitações, designadamente policiais.”
Quanto aos pressupostos processuais, decorrente da própria norma – art. 109º CPTA -, a utilização deste meio processual destina-se à emissão célere de uma decisão de mérito do processo, que imponha à Administração uma conduta positiva ou negativa que seja indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia. A urgência e a oportunidade da decisão, devido à iminência e irreversibilidade de lesão do exercício de direitos, liberdades e garantias tem de ser cumulado com a insuficiência de decretamento provisório de uma providência cautelar, afirmando-se o carácter excepcional ou subsidiário da intimação, remetendo para as acções normais ( acção administrativa comum ou acção administrativa especial) sempre que, mesmo para protecção de direitos, liberdades e garantias, não seja indispensável uma decisão de mérito urgente; neste caso, os eventuais perigos de lesão, ainda que lesões imediatas e irreversíveis, podem ser impedidos através de providências cautelares – art 131º CPTA. No decretamento provisório de providência cautelar que se destine a tutelar direitos, liberdades e garantias do art. 131º, estamos perante uma decisão urgente mas que se satisfaz com uma decisão provisória, até que a questão de fundo se decida definitivamente no âmbito do processo principal, desde que a providência seja decretada com a máxima urgência, após o momento da sua solicitação.
Enquanto a intimação urgente permite regular de forma definitiva e imediata a situação, o mecanismo consagrado no art 131º CPTA limita-se a oferecer uma forma de tutela provisória e não definitiva. Estamos perante um processo cautelar urgente caracterizado pela sua relação de instrumentalidade e provisoriedade, relativamente ao processo principal, que in casu, é também ele um processo cautelar.
Assim deverá lançar mão da intimação urgente se o particular não puder aguardar que o juiz de uma eventual causa principal se pronuncie sobre a situação requerida, sob pena de ver os seus direitos fundamentais lesados, não fazendo sentido recorrer ao decretamento provisório de providências cautelares, quando o mérito da causa deva ser resolvido de forma imediata e definitiva.
De acordo com Prof. Vieira de Andrade “os exemplos mais frequentemente mencionados respeitam ao exercício do direito de manifestação, quando esta foi proibida e tem de ter lugar num determinado momento, sob pena de inutilidade. Não tem sentido pedir aqui uma providência cautelar de abstenção de proibição daquela manifestação, pois que a decisão do tribunal resolveria definitivamente a questão, esgotando o objecto da causa principal."
Saber no caso concreto quando é que as pronúncias de mérito são necessárias para acautelar a causa, em confronto com uma mera pronúncia provisória e instrumental, providenciada pela tutela cautelar urgente, eis ao que se reconduz a problemática da subsidariedade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
Se o Juiz chamado a proferir uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias entender que é “possível e suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no art. 131º” pode proceder à convolação oficiosa do processo num processo cautelar para efeitos do disposto no art. 131º, à luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva e do imperativo constitucional relativo à efectividade dos direitos, liberdades e garantias.

Maria Filomena Botelho - nº 17754
Filomena Cruz - nº 16611

Sem comentários:

Enviar um comentário