quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Legitimidade


Perspectiva (ultra)passada

Na lógica clássica, baseada no modelo francês, o contencioso administrativo tinha natureza objectivista, significando que destinava-se apenas à verificação da legalidade da actuação administrativa.
Consequentemente, esta concepção objectivista não reconhecia direitos subjectivos às partes, ou seja, não admitia que os particulares e/ou a Administração actuassem no processo para defesa de direitos / interesses próprios. Desta forma, todo o contencioso administrativo se centrava única e exclusivamente no acto administrativo.

Caracterização do Contencioso Administrativo de cariz objectivista:


Quanto aos particulares:

Não lhes eram reconhecidos direitos subjectivos perante a administração; logo, a sua intervenção no processo não era permitida enquanto parte processual, em virtude de uma lesão provocada por uma actuação administrativa ilegal, mas antes era permitida, somente, para a defesa da legalidade e do interesse público.

Esta concepção objectivista da Justiça Administrativa vai sendo, lentamente, contrariada; pese embora a Constituição de 1976 ter consagrado o particular como parte no contencioso administrativo (arts. 20º n.º 1 e 268º n.ºs 4 e 5 CRP), conferindo-lhe, assim, o direito fundamental de acesso à Justiça Administrativa, cuja função primordial deve prender-se com a garantia dos direitos privados; e, a Reforma de 1984/1985 ter contribuido largamente para instituir o contencioso administrativo como um processo de partes, continuaram a persistir disposições que, por uma lado, não conferiam uma igualdade em sentido próprio entre as partes; por outro, reduziam a possibilidade de intervenção dos sujeitos no processo.

Quanto à Administração:

Se ao particular se negava o estatuto de parte, também a administração não era parte no processo, mas sim [designada por] “autoridade recorrida”, cuja principal função era auxiliar o tribunal na defesa da legalidade e do interesse público, o que denota a promiscuidade existente entre a Administração e a Justiça, que só foi afastada com a Constituição de 1976, que integrou o contencioso administrativo no Poder Judicial.

Concluímos, assim, que nesta vertente objectivista, o contencioso administrativo era um processo sem partes processuais no verdadeiro sentido da palavra; ambos (particular e administração) intervinham no processo em nome da legalidade e do interesse público, não lhes sendo reconhecidos direitos ou interesses próprios.

Desta forma, constatamos que, paulatinamente, foi-se abandonando esta concepção objectivista do contencioso administrativo, cujo primeiro passo foi dado com a Constituição de 1976 e com as sucessivas reformas do contencioso administrativo português que foram concretizando um contencioso administrativo de cariz subjectivista, característico de um contencioso plenamente jurisdicionalizado.

Perspectiva actual do Código

Por contraposição à lógica clássica, na concepão subjectiva, o particular e a administração são partes que, perante um juíz, defendem os seus interesses: do lado do particular, a lesão de um direito; do lado da administração, a defesa da legalidade e do interesse público. Sendo um processo de partes, ambos dispõem de poderes e deveres processuais destinados à tutela efectiva dos seus interesses.
Assim, o contencioso administrativo é, finalmente, um processo de partes, onde estas detêm posições de igualdade na defesa dos seus direitos e interesses legítimos, tal como consagrado no actual art. 6º CPTA e complementado pelo art. 8º do mesmo código, devendo ambas as partes colaborar com o juiz para a realização da justiça administrativa. Daqui concluimos que se afastou definitivamente a concepção objectivista do contencioso administrativo.

O conceito de parte está intrínsecamente ligado ao pressuposto processual- Legitimidade-, previsto no art. 9º e ss do CPTA.

Diferenças entre as perspectivas (ultra)passada e actual da Legitimidade

Na lógica clássica, em que se negava a titularidade de direitos subjectivos aos particulares e se negava, consequentemente, a qualidade de parte, a legitimidade do particular baseava-se num interesse de facto e não num direito subjectivo lesado. Nesta lógica, a legitimidade do particular era aferida através do critério do interesse (de facto) no afastamento do acto administrativo da ordem jurídica.

O regime juridico actualmente estabelecido é completamente contrário a esta concepção clássica.
Segundo o art. 9º do CPTA, a legitimidade é atribuída segundo o critério da posição dos sujeitos e da alegação de direitos e deveres reciprocos, na relação jurídica substantiva.

Assim, o pressuposto processual – Legitimidade – visa assegurar a coincidência entre os sujeitos processuais e os titulares efectivos da relação material controvertida, pelo que, segundo o art. 9º n.º 1 do referido código, o autor é parte legítima sempre que alegue ser parte na relação material controvertida, i.é, ser titular de direitos subjectivos.

Este artigo, consagrando o pressuposto processual de legitimidade (activa), demonstra, claramente, a função do contencioso administrativo de cariz subjectivista, permitindo a intervenção de sujeitos privados para a protecção dos seus direitos subjectivos, o que na lógica clássica era inconcebível.

Contudo, e porque exigido num Estado de Direito, o contencioso administrativo desempenha igualmente uma função objectiva, assegurada pelas acções pública e popular, patentes no art. 9º n.º2 do CPTA. Acções estas que visam a defesa de legalidade e do interesse público, tutelando bens e valores constitucionalmente protegidos, e que realizam a função objectiva do contencioso administrativo de forma directa.

Desta forma, o actual contencioso administrativo consagra a legitimidade para a defesa de interesses próprios, onde desempenha funções predominantemente subjectivas, de protecção de direitos dos particulares, nomeadamente o direito fundamental consagrado no art. 268º n.º 4 CRP, sendo esta a principal função da Justiça Administrativa; por outro lado, consagra igualmente a legitimidade para a tutela objectiva de bens e valores da ordem jurídica, através das acções acima descritas, desempenhando aqui uma função predominantemente objectiva, de tutela da legalidade e do interesse público, imprescindível num Estado de Direito

Também em relação à Legitimidade Passiva, presente no art. 10º n.º 1 do CPTA, o critério de aferição da legitimidade é o da relação material controvertida, considerando-se partes legítimas as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.
Nota ainda, para referir que o art. 10º n.º 2 do CPTA, afasta definitivamente a ideia objectivista de que a administração não é parte no processo.

Concluímos, assim, que as diferenças no conceito de legitimidade ou de parte legítima no processo contencioso são indiscutíveis, comparando a perspectiva actual do Código e a já (ultra)passada.

Actualmente, temos um contencioso administrativo que desempenha a função subjectiva de protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares, o que não acontecia na concepção objectivista do contencioso administrativo; mas temos, também, um contencioso administrativo que desempenha igualmente funções de cariz objectivo, de tutela da legalidade e do interesse público.

Talvez, agora, possamos afirmar que o actual contencioso administrativo permite a realização da Justiça Administrativa na sua verdadeira acepção.
Teresa Tavares
Aluna n.º 17674

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