quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Condenação à prática de acto legalmente devido

Aspectos genéricos e proposta de resolução caso prático III

Cabe em primeira análise delimitar a figura da condenação à prática do acto legalmente devido de outra que integra a acção administrativa especial, a da impugnação de actos administrativos. Esta ultima acção surge como um meio para o particular recorrer de actos administrativos que apresentam vícios de ilegalidade a sua função nada mais é do que a anulação, declaração de nulidade ou de inexistência do acto. Quando, não se bastando com a mera anulação e necessite ainda o particular de um outro acto para que a sua posição jurídica seja salvaguardada e regulada, vale o pedido de condenação à prática de acto devido quer a actuação da administração fosse a recusa expressa ou omissão.
O princípio da tutela jurisdicional efectiva, enquanto corolário do Estado de direito, revela-se essencial na construção de um contencioso que não se basta com a mera anulação mas que admite poderes de condenação à prática de actos administrativamente devidos.
Numa condenação à prática de acto administrativo devido é clara a presença de um acto administrativo que é necessário para concretizar o direito ou interesse legalmente protegido do particular, deve seguir portanto a forma da acção administrativa especial. De acordo com o disposto no artigo 67º, nº 1 CPTA, a condenação à prática de actos administrativos pode ser pedida em três tipos de situações.
O primeiro desse tipo de situações encontra-se previsto na alínea a) do mesmo artigo e tem lugar quando, tendo sido constituída no dever de decidir a Administração tenha permanecido omissa sem ter proferido decisão até expirar o prazo legalmente estabelecido para decidir. Tem assim por objecto situações de incumprimento por parte da Administração, do dever de decidir perante requerimentos que lhe sejam apresentados. Fora dos casos específicos em que a lei preveja a formação de deferimentos tácitos 108º CPA, o incumprimento, no prazo legal, do dever de decidir por parte da Administração passa, assim, a ser tratado como a omissão pura e simples que efectivamente é, ou seja, como um mero facto constitutivo do interesse em agir em juízo para obter uma decisão judicial de condenação à prática do acto ilegalmente omitido
O segundo tipo de situações em que pode ser pedida a condenação à prática de um acto administrativo, vem previsto na alínea b), e é aquela em que tenha sido indeferida a pretensão deduzida pelo interessado, através da recusa expressa da prática do acto requerido. Neste caso o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, solução que resulta claramente da letra da lei.
O terceiro tipo de situação em que pode ser pedida a condenação à prática de um acto ad-ministrativo, vem previsto no artigo 67º, nº 1, alínea c), e é aquela em que tenha sido recusada a apreciação do requerimento dirigido à prática do acto administrativo. Esta última situação compreende duas sub-hipóteses a recusa tanto pode ser contestada com fundamento na inexistência de facto dos motivos de ordem for¬mal ou com a falta de fundamento norma¬ti¬vo que permitisse a sua invocação. Os requisitos prendem-se com a circunstância de o pedido ter fundamentalmente um alcance subjectivista, destinado à satisfação de direitos ou interesses legalmente protegidos do autor, contudo verifica-se um alargamento de legitimidade à acção colectiva, à acção popular e até à acção pública. Fora destas situações, o código permite também o pedido de condenação nos casos de inactividade oficiosa comprovada da Administração perante valores comunitários relevantes ou direitos dos particulares, bem como, embora em cumulação com o pedido impugnatório, as de indeferimento parcial ou indirecto da pretensão.
A tempestividade para propor este tipo de acção tem conteúdos distintos consoante a Administração adoptou uma atitude de inércia ou, pelo contrário, respondeu ao requerimento apre¬sentado, emitindo um acto de indeferimento da pretensão ou de recusa de apreciação do reque¬rimento. No primeiro caso, a acção deve ser proposta no prazo de um ano, contado desde o ter¬mo do prazo legal dentro do qual a Administração deveria ter respondido ao reque¬ri¬men¬to 69º 1 CPTA. ) Na hipótese de ter havido lugar à emissão de um acto de indeferimento, a acção deve ser proposta, como determina o artigo 69º, nº 2, dentro do mesmo prazo de três meses que o artigo 58º, nº 2, alínea b), estabelece para a impugnação dos actos administrativos, determinando o artigo 69º, nº 3, que também neste domínio é aplicável à contagem do prazo o disposto nos artigos 59º e 60º.
Cumpre apreciar a solução específica do caso III em análise. Em causa estará a segunda modalidade de pretensão à prática de acto devido 67º 1 b), há um expresso indeferimento do pedido do particular no sentido da construção de um prédio de habitação, a condenação, se for proferida, tem por si só o alcance de eliminar da ordem jurídica o indeferimento. Como claramente resulta dos artigos 51º, nº 4, e 66º, nº 2, quando se veja, pois, confrontado com um acto de indeferimento, o titular de uma po¬si¬ção sub¬jec¬ti¬va de conteúdo pretensivo deve fazer valer a sua própria posição subs¬¬tantiva, em todas as dimensões em que ela se des¬dobra, no âm¬bito de um processo de con¬denação da Ad¬mi¬nis¬tração à prática do acto ilegalmente recusado. Zeferino dispõe de legitimidade activa já que alega ser titular de um direito dirigido à emissão desse acto, 68º 1 a) CPTA, por outro lado tem legitimidade passiva a Câmara Municipal cfr. 10º 2 CPTA.
O sujeito activo pretende através de decisão judicial que lhe seja substituído acto que foi por sua vez indeferido pelo órgão competente, contudo, cabe a este respeito dizer que releva aqui uma margem de livre apreciação administrativa. Invocando-se o princípio de separação de poderes, 3º CPTA, não pode à partida o tribunal ingerir-se ilegalmente na esfera de competência administrativa para decidir positivamente uma questão que foi legitimamente apreciada. Apesar de se proceder a esta limitação, não se pode sobrevaloriza-la, uma vez que o controlo judicial da actividade administrativa discricionária é imprescindível. No mesmo sentido propugna o artigo 71º 2CPTA, “quando emissão acto pretendido envolva a formulação de valorações próprias no exercício da função administrativa…não pode determinar o conteúdo do acto a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido”. O modo encontrado pelo legislador para conjugar estas tensões aparentemente contraditórias, foi o de, permanecendo o poder de apreciação e condenação, os ditames acerca do conteúdo do acto limitam-se a identificar as vinculações a serem atendidas na prática do acto administrativo. O tribunal especifica quais os elementos vinculados, deixando os restantes à construção dada pela liberdade de escolha que a Administração tem direito.
Concluindo, se a decisão de atribuição da referida licença não for de exercício vinculado, por decorrer directamente da lei, então dificilmente o tribunal poderá vir a condenar a Câmara Municipal a emitir uma licença. O único poder que o tribunal terá, restringe-se à indicação das vinculações a serem atendidas na prática do acto administrativo devido 71º2 CPTA.
O particular pretende ainda que seja aplicada sanção pecuniária compulsória ao Presidente da Câmara, em conformidade com o artigo 66º 3 CPTA, pode o tribunal impor na sentença esta medida destinada a prevenir o incumprimento, sendo ainda aplicável em conformidade o disposto no 169º CPTA. Cabe contudo indagar de quem procedeu a emissão do efectivo acto de indeferimento, já que a emissão de licenças de construção cabe tanto no âmbito de competências da Câmara Municipal 64º 5 a) lei 169/99 18 Setembro, como na competência do Presidente da Câmara 68º 2 l), o efeito não será o mesmo já que o artigo 169º CPTA manda atender aos titulares dos órgãos incumbidos da execução devendo ser individualmente identificados, para pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso.

Joana Silva Correia, aluna nº 17345

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